O Mobiliário Português não está totalmente
documentado carecendo de fontes mas,
existem algumas peças que foram sobrevivendo ao passar do tempo, outras foram
ficando no esquecimento, acabando por deixarem de ser produzidas. Segundo
Ernesto Veiga e Silva e Fernando Galhano (1975), o Mobiliário é disposto por
três tipologias:
1.
Móveis de fabrico local (arcas, românico,
arquibanco)
2.
Móveis de inspiração palaciana ou
burguesa (cadeiras, canapés, cómodas, armários, século XVII - XIX
3.
Móveis cuja produção advém de talentosos
mestres e marceneiros
Silva
e Galhano (aproximadamente 1970) categorizaram o Mobiliário Português nestes
três grandes grupos. O primeiro refere-se ao tipo de Mobiliário que cumpre com
a velha tradição artesanal rústica, ou seja, projetados e concebidos através dos
meios locais ou regionais e na herança histórico-cultural do local originário de
produção. O segundo refere-se ao mobiliário que foi copiado infindavelmente, também
conhecido como móveis . O terceiro grupo enquadra os
marceneiros que eram mais habilidosos e versáteis, que queriam impressionar,
criando modelos únicos, mas ainda assim, utilizando os materiais locais, tal
como no Grupo primeiro (Lima, 1978).
O povo vivia e utilizava os objetos que
fabricava, não podendo erradamente serem denominados mobiliário, mas sim “peças auxiliares móveis”. Segundo Oates (1991), o mobiliário pode ser catalogado em
diferentes épocas, pois as diferenças são ínfimas:
1. Egito,
Grécia e Roma
2. Bizâncio,
a Alta Idade e a Europa Gótica
3. O
Renascimento
4. A
Opulência Barroca
5. O Rococó
e a Elegância palladiana
6. O
Neoclassicismo
7. O século Dezanove
– época de diversidade
8. O
Esteticismo e o Reformismo
9. O
Movimento Modernista
10. De 1940
para cá.
De acordo com as épocas o mobiliário foi
evoluindo, muito em parte com os produtos e meios encontrados em certas
regiões. No Brasil, a produção mobiliária era abundante, pois existia imensa
madeira e de boa qualidade para ser trabalhada (Oates, 1991) .
O conceito de móvel é bastante vago, assim
tentar-se-á não aplicar termos que possam gerar confusão, pois
“móvel” é um termo errante para quando queremos definir uma peça de mobiliário.
Móvel pode adequar-se a uma amplitude imensa de variados móveis; uma cadeira é
um móvel, mas uma cristaleira também, ambas são diferentes, têm condicionantes
diferentes, componentes diferentes, mas o termo acaba por se manter, a menos
que se explique que é uma cadeira, um aparador, cristaleira, arca – detalhe da
tipologia da peça de mobiliário. O material eminente e por excelência utilizado
na concepção de mobiliário é a madeira, pois reúne propriedades mecânicas
importantes como a ductilidade, a resistência (ao apodrecimento e ao fogo),
densidade, higroscopia, cor, grão, odor, facilitando assim o trabalho do
marceneiro. Existem vários processos de preparar a madeira e de trabalhá-la,
mas os primeiros móveis produzidos utilizavam assemblagens simples, normalmente
concebidos recorrendo a pregos, pinos, cola, entre outros. Mais tarde, com a
exploração de outros materiais, começou-se a inovar introduzindo a talha
dourada, embutido, ferro forjado (camas e faldistórios). Sabe-se que a época de
ouro do mobiliário português foi no Período do Seiscentos, verificando-se o
despojamento de ornamentação, acariciando as madeiras nobres vindas do Oriente,
África e Brasil (madeiras exóticas). Todo este naturalismo que era sentido no
Seiscentos era predicado da beleza da própria madeira (Ferrão, 1990).
É
complicado sintetizar todo o mobiliário num só grupo e explaná-lo de maneira
simples e breve, pois é um tópico investigativo bastante amplo que requer uma
abordagem detalhada. Segundo Bernardo Ferrão (1990), o mobiliário pode dividir-se
da seguinte maneira:
1. Móveis de
Descanso
1.1. de
Assento
1.1.1. de uso
individual (cadeiras)
1.1.2. de uso
coletivo (bancos, sofás)
1.2. de
Repouso
1.2.1. de uso
noturno (camas)
1.2.2. de uso
diurno (preguiceiros)
2. Móveis de
Utilidade
2.1. de Guarda
2.1.1. de tampa
(arcas, cofres)
2.1.2.de porta (armários, escritórios)
2.1.3.de gaveta (cómodas, papeleiros, contadores)
2.2 de
Suporte
2.2.1 de chão (mesas)
2.2.2 de parede (cabides, prateleiras)
3. Móveis de Conforto
Caixilhos,
toucadores, tremós
Esta síntese auxilia na relação dos
diferentes móveis que se deverá ter em conta quando se fala em móvel, pois
existem imensos tipos de móveis, formas, funções. Segundo Duarte Nunes
de Leão (c. século XVI) os
móveis vinham da China para Lisboa e daí eram exportados para o resto da Europa, como
cadeiras, castres, escritórios dourados, acabando por influenciar os
marceneiros portugueses.
Sabe-se que o povo português se destacou
na Arte de diversas maneiras, mas foi com a talha dourada e o Azulejo que se
tornou reconhecido. A expressão plástica do Mobiliário surgiu principalmente no
século XV, segundo conta Bernardo Ferrão (1990), sendo
nos séculos XVII e XVIII que ocorreu a melhor produção de mobiliário. O
mobiliário projetado durante e até ao século XVII conta com um toque de
exotismo, verificado após a Descoberta da Índia (Ferrão,
1990).
A cadeira é a peça de mobiliário que
mais contribui para a percepção, conhecimento e reconhecimento da história do
mobiliário. A cadeira Savonarola é exemplo desta época, surgiu no
século XVI (c. 1550) em Itália com o advento da produção de Mobiliário, pois a
vida social e íntima também aumentou, acabando por se refletir no mobiliário e
claro, nos interiores das habitações. A necessidade de sentar era cada vez
maior, então começaram a ser produzidas cadeiras em grande escala, sendo as
cadeiras almofadadas de braços com espaldar alto e pés de bola muitas vezes
encontradas em casas grandes, tendo-se percebido este facto através de inventários
de partilhas de casas nobres e escrituras (Ferrão, 1990).
A cadeira era leve,
de fácil transporte e mais pequena por isso era utilizada pelas classes mais
baixas. A cadeira em forma de X resistiu nos tempos medievais, como se pode
observar em pinturas de época, sendo adaptada no século XVI, em Itália; com
formas mais elegantes e equilibradas, denominando-se em Itália por sedia Savonarola ou de Dante e
na Alemanha por cadeira de Lutero (Oates,
1991).
Segundo Oates
(1991)A a cadeira
Savonarola é uma cadeira muito conhecida, patente numa panóplia de quadros da
Época do Renascimento, acabando por se tornar um ícone de design. Existe a cadeira
Savonarola e a Dantesca, sendo que a primeira é constituída por mais quatro pernas do que a segunda. Pensa-se que
foi baseada no faldistório civil, mas sem certezas, apesar do desenho
construtivo ser bastante semelhante. As mais conhecidas são concebidas em carvalho
com talha (Oates, 1991) .
A História do Mobiliário carece de fontes
para ser abordado detalhadamente, mas sabe-se que anteriormente ao
século XV não existia uma produção coerente de mobílias. A arca era o móvel por
excelência da casa medieval, pois era prático e ambulante, capaz de facilitar a
agitada vida, rapidamente tudo se arrumava dentro dela, principalmente o
tríptico da oração, a imagem de marfim, os castiçais, roupas, tecidos (Carita & Cardoso, 1983) .
Segundo
De Morga[1] (século
XVI) os móveis vindos de Macau (segundo
De Morge) acabavam também por chegar à capital do império:
“camas (leitos) y escrutorios, silletas de
estrado y otras pieças dorada (com laca dourada?) curiosamente, hechas en
Macao.”
De Morga (séc. XVI) in Mobiliário Português, Vol. 3, p. 30.
Também
segundo Pynard de Laval[2]
(séc. XVI) vinham de Chaul belíssimas peças de mobiliário como:
“(...)
muitos cofres, bocetas, estojos, escritórios ao modo da China, mui ricos e bem
obrados. Fazem também camas e leitos lacreados de todas as cores. O povo é ali
muito habilidoso e industrioso.”
Pynard de
Laval (séc. XVI) in Mobiliário Português, Vol. 3, p. 26.
Estas
peças que chegavam a Lisboa através das embarcações portuguesas vinham
apresentar toda uma “nova” de mobiliário, abrindo novos caminhos para os
marceneiros portugueses. Foram estes objetos que influenciaram toda a época de
descobrimentos e feitos portugueses (Ferrão, 1990).
A origem da cadeira
Rabo-de-bacalhau é um pouco incerta, mas ao que consta foi a primeira cadeira
de design português, desenvolvida durante o século XVIII, copiando modelos de
cadeiras setecentistas com inspiração palaciana.
A cadeira rabo-de-bacalhau é um misto de romântico com popular,
graças ao seu espaldar curvilíneo que vai afunilando até chegar ao assento,
como no seu modelo antecedente, a cadeira tipo Windsor. Pensa-se que o coração que se encontra vazado no centro do
espaldar segue os demais vazamentos da época, não remetendo diretamente para o
Coração de Filigrana de Viana do Castelo, como se pensava (Pinto, 1952) . Certo é que muitas casas tiveram o privilégio
de ter um exemplar destes, utilizado tanto em cozinhas, como salas, quartos,
cafés. A Pura Cal recuperou este ícone nacional e produziu uma linha de
cadeiras rabo-de-bacalhau,
em tons pastel intitulada Color My Heart pertencente à linha Re(use).
Com o advento da
Revolução Industrial, iniciado em Londres nos finais do século XVIII, a
produção industrial sofreu imensas alterações. O fabrico passou a ser muito
mais eficiente, dando resposta às necessidades da população, criando-se assim
novos métodos de produção, novos materiais, novas tecnologias – a “máquina” que
veio mudar o mundo. Só nos finais do século XIX é que Portugal se começou a
aperceber de toda esta mudança que poderia vir a trazer vários benefícios. Predominava
o trabalho manual, havia marcenarias, oficinas de
produção, fábricas trabalhando de uma maneira artesanal, sentindo-se que algo
teria de mudar, de maneira a acompanhar o advento da máquina. Algumas empresas
como Sousa Braga & Filhos Lda., Casa
Jaico, Olaio – Móveis e Decoração, Jerónimo Osório de Castro, FOC -, Famo[3],
MIT, Longra[4],
Altamira, foram as pioneiras a alterar os seus métodos de produção,
conseguindo estar na vanguarda da tecnologia, aderindo aos novos desafios
impostos pela Revolução Industrial. Nestas empresas foram-se
gradualmente alterando os métodos de produção, nos quais
o artífice passava a ser operário e a ferramenta a ser a máquina, reduzindo-se
assim o número de peças únicas, optando-se por peças seriadas (Leite, 2012) .
É neste contexto de alteração do
paradigma da produção que surge a cadeira Gonçalo. A Gonçalo é a mais
célebre cadeira portuguesa, reconhecida
a nível nacional e
internacional. É utilizada
principalmente em esplanadas pois é ergonómica, altamente resistente às
alterações climatéricas e é empilhável, sendo fácil a sua arrumação. As suas
linhas são muito simples, no entanto reveladoras de um aprofundado conhecimento
sobre física e resistência dos materiais, devido às arriscadas dobras dos tubos
que a constituem. A estrutura é toda concebida em metal, composta por quatro
elementos: um tubo posterior que formaliza as pernas traseiras, o apoio de
braços e o contorno superior do encosto; outro tubo que define as duas pernas
anteriores e o contorno posterior do assento; um encosto curvo e ligeiramente
inclinado que é fixo ao tubo; assento ligeiramente reclinado com bordo
dianteiro curvo, de maneira a não ofender as pernas. As primeiras cadeiras tubulares
deverão ter chegado a Lisboa durante os anos 30 do século XX, provenientes da
Bauhaus, mas cedo se difundiram por todo o país. Em meados dos anos 50, Gonçalo
Rodrigues dos Santos criou então a cadeira, que só se viu registada nos anos 90
pela Arcalo[5], sendo esta
empresa atualmente um dos fabricantes deste exemplar. A sua
proliferação foi grande, mas nos anos 70 do século XX sentiu-se uma enorme
quebra na produção da Gonçalo, devido ao advento do Plástico e das cópias
massivas. Somente nos anos 90 renasceu o interesse por este ícone do Design
Português, talvez com o aparecimento do Centro Cultural de
Belém e da Expo 98, pois todas as suas esplanadas eram equipadas com as mesmas (Soares
& Ermanno, 2005) .
Recentemente
um familiar direto de Gonçalo Rodrigues dos Santos, criou a sua marca – Around the Three – uma marca inovadora,
onde o conceito gira todo em torno da árvore, ou seja, há uma grande utilização
da madeira, como material de eleição. Por outro lado, a Around the Three recriou a famosa Cadeira Gonçalo, mas desta vez em
madeira, claro está; a denominação foi alterada para Portuguese Roots e espera-se uma grande aceitação, afinal é um dos
ícones de Design Português. A herança cultural da Around the Three combina a madeira, os clássicos ARCALO e a
Cortiça, material em voga pelas suas excelentes capacidades e resistência. A
forma da Portuguese Roots é igual à
Gonçalo, apenas se usam os materiais orgânicos,
retirando o aspecto industrial e,
conferindo-lhe um aspecto natural. Os famosos tubos de alumínio
foram substituídos por madeira com acabamento em óleo natural, apresentando
assim um aspecto clássico.
O assento é esponjoso e revestido de cortiça natural.
“... a cadeira de esplanada, em tubo de
aço dobrada, que na década de 40 povoou o espaço exterior do Café Lisboa, na
Av. Da Liberdade, e se distribuiu depois por todo o país, é design português da
autoria do mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos que de um anonimato,
passa agora a chamar-se “Gonçalo”...”
Arcalo, 2005, in Arcalo
Atualmente a cadeira Gonçalo é muito
procurada e existe em vários materiais e acabamentos como madeira, chapa de
inox, várias colorações, entre outras especificações.
A empresa Olaio – Móveis e Decoração foi fundada
em 1939, por José Olaio. Desde pequeno que Olaio sempre se interessou por
marcenaria, comprando pequenas peças de madeira que ardilosamente manipulava,
tornando-as interessantes, como o caso de dois caixotes que adquiriu na Casa Havaneza, em Lisboa, que
posteriormente transformou em duas mesas de cabeceira com acabamento em folha
de raiz de mogno. Em 1886 abre a sua primeira oficina, transformando-se
posteriormente em armazém e loja de móveis novos e usados. Foi nesta oficina
que desenvolveu as suas capacidades e conhecimentos, trabalhando de sol a sol,
de maneira a manter o sonho ativo. A sua oficina chegou a deter 500
trabalhadores, marcando assim o design
de interiores em Portugal, produzindo mobiliário para os mais diversos locais.
É considerada a primeira empresa a aderir às alterações tecnológicas
resultantes da Revolução Industrial, devido também as imensas encomendas que
recebia por parte do Governo. As suas premissas construtivas era possuir bom
material, principalmente madeira maciça, ferragens e acabamentos, mas cumprindo
todos os requisitos necessários para ser o caso de sucesso que é, adaptando,
atualizando, recontextualizando (Leite,
2012) .
Até finais dos anos 50 do
século XX, o mobiliário produzido era conhecido como “português suave”, não
sendo arrojado, mantendo uma linha clássica doméstica. Só em 1962 foi ampliado,
dispondo de novas e modernas tecnologias e máquinas, capazes de produzir em
grande série, melhorando em muito as condições de trabalho. Foi nesta década
que surgiu a influência dinamarquesa, através do Engenheiro Herbert Brehm e do
Designer José Espinho[6],
oferecendo à Olaio móveis contemporâneos, de linhas puras, funcionalistas e ao
mesmo tempo utilitários, capazes de competir com as peças de design alemão.
Bons exemplos desta década e da produção de mobiliário de qualidade superior e
inovador é o Hotel Estoril-Sol, o Edifício da Biblioteca Nacional, Casino
Estoril. Em 1989, Olaio foi vendida, acabando por ser encerrada em 1995, mas só
em 2008 foi decretada falência. Resgatada da falência, atualmente a fábrica
está sediada em Torres Vedras, estando João Olaio e José Pedro Olaio,
respetivamente bisneto e neto do fundador, mantendo o negócio em bom eixo,
contando com a equipa de Design assegurada por João Chichorro, Francisco e
André Espinho. A empresa foi-se adaptando ao quadro contemporâneo, mantendo uma
visão tradicionalista (Leite,
2012) .
[2] François
Pyrard de Laval (c. 1578 – c. 1623) foi um navegador francês que escreveu
vários relatos das suas aventuras pela Índia e Maldivas, onde permaneceu entre
1601 a 1611.
[4] A Fábrica Longra foi uma das mais importantes fábricas de mobiliário
dito contemporâneo, contando com a criatividade eminente do designer e
arquiteto Daciano da Costa. Exemplo disso é a Cadeira Lounge, criada para a Longra que foi um sucesso de vendas.
[5] É uma
empresa especialista há mais de 50 anos na produção de
mobiliário de exterior. A Arcalo foi uma das principais empresas produtoras da
cadeira Gonçalo, tendo sido posta à prova durante a Expo 98, pois teve de
conceber cerca de 9000 exemplares Gonçalo, atingindo assim um lugar de topo a
nível nacional na produção de mobiliário de exterior. Atualmente já se
encontram a produzir novos modelos de cadeiras e mesas, com recurso a materiais
superiores como o alumínio e o aço inox, realizando projetos completos para
esplanadas com novos detalhes que fazem toda a diferença.
[6] José Espinho foi um designer industrial muito conceituado, desenhava
mobiliário para a Olaio, principalmente cadeiras, tornando-as verdadeiros
marcos no Design de Produto português dos anos 60 do século XX. A cadeira
Caravela é um dos exemplos de Espinho, concebida em madeira de undianano
(madeira africana também conhecida por freijó, da família Boraginaceae) e napa, a cadeira Bélgica, o estirador J.E., a
estante modular.
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