sábado, 24 de março de 2018

Capitalismo centralizador e problemas adjacentes


Breves notas sobre a (re)evolução civilizacional
“ Hoje em dia, o ser humano apenas tem ante si três grandes problemas que foram ironicamente provocados por ele próprio: a super povoação, o desaparecimento dos recursos naturais e a destruição do meio ambiente. Triunfar sobre estes problemas, vistos sermos nós a sua causa, deveria ser a nossa mais profunda motivação.”
 Jacques Yves Cousteau (1910-1997)

Os grandes centros urbanos encontram-se sobrelotados ou superpovoados, quer de edifícios, quer de pessoas, o que faz com que as zonas mais rurais fiquem despovoadas, ou até desertificadas. O despovoamento do interior assume-se como um problema de fortes dimensões, a população vê nas cidades a fonte das suas possibilidades, desencantando-se e desacreditando-se dos potenciais benefícios de viver e trabalhar no campo. Em consequência, descurou-se a qualidade de vida que as zonais rurais oferecem, em prol de um stress citadino, indissociável da manifestação de imensos casos de perturbações mentais.
A falta de emprego nas zonas mais rurais acaba por se revelar num dos factores impulsionadores da imigração: interior-litoral, para as zonas de onde se concentram as maiores cidades. Estes territórios do interior careceram de estudos de oportunidades e viabilidades socioeconómicas e de interesses capazes de garantir a sustentabilidade e autenticidade das populações vernaculares. Esta forte lacuna teve como resultado muitas aldeias que se viram praticamente em estado de abandono.
Sabe-se que a ocupação destes territórios mais remotos tem sido assegurada por estrangeiros que acabam por adquirir quintas e aí se fixam, investindo e criando postos de trabalho, particularmente na área do Turismo. Criam-se Estalagens de Turismo Rural com diversas atividades ao ar livre e puro, atraindo um tipo de turista adepto da vida saudável, que procura um refúgio longe das grandes cidades e que valoriza a Natureza.
Este êxodo rural, fortemente impulsionado pela Revolução Industrial, não está isento da responsabilidade da criação de graves impactes ambientais. A problemática da poluição tem vindo a ser um tema vastamente debatido mas, ao invés de uma reversão nesta matéria no sentido de uma evolução positiva, lê-se que o nosso país, em particular, e o planeta, no geral, estão cada vez mais poluídos. Perceba-se que este índice de poluição, em certa parte, advém de plataformas fabris que, durante e após a Revolução Industrial, não cessam de contaminar o nosso mundo. O uso da máquina “pro-bono”, como sejam os transportes, ou até maquinaria agrícola e industrial, também contribuem para aumentar a pegada ambiental.
Entre os principais factores para este aumento da poluição estão: a queima de resíduos urbanos, industriais, agrícolas e florestais, feita muitas vezes, em situações incontroladas; a queima de resíduos de explosivos, resinas, tintas, plásticos, pneus são responsáveis pela emissão de compostos perigosos; os fogos florestais, com especial incidência nos últimos anos, são responsáveis por emissões significativas de CO2; o uso de fertilizantes e o excesso de concentração agro-pecuária; as indústrias de minerais não metálicos, a siderurgia, as pedreiras e áreas em construção, são também fontes importantes de emissões de partículas.
Foi no reinado de D. Sancho I (Coimbra, 11 de Novembro de 1154 – Coimbra, 26 de Março de 1211) que se começou a perceber a importância de um povoamento descentralizado, numa tentativa de proteção territorial e da criação de rotas entre cidades chave, garantindo e facilitando trocas comerciais e obviamente a ligação entre todo o território, em condições de segurança.
                  Apelidado de O Povoador, D. Sancho I apadrinhou o povoamento do território português, realizado à medida das conquistas das várias cidades, chamando colonos estrangeiros que distribuiu pelas diversas terras, entregando-lhes o cultivo dos campos, conseguindo assim aumentar não só a população do país, como também a sua riqueza. Por outro lado, D. Sancho I tentou reforçar e proteger as fronteiras do inimigo, para o que decidiu então entregar grandes propriedades no Alentejo aos freires de Évora, verdadeiros profissionais de guerra, e à Ordem de Santiago, para que as defendessem. As zonas de fronteira tinham pouca gente, e estavam portanto à mercê de possíveis invasões, assim D. Sancho I debaixo de uma forte intenção em desenvolver e fortificar aquelas áreas procurou atrair famílias para estas zonas. Para tal concedeu regalias a quem aí se quisesse instalar, tais como terras para cultivo, pastagens, dispensa de pagamento de alguns impostos, perdão de crimes, entre outros.
A centralização de bens e serviços é prática comum que apresenta as suas vantagens, pois concentra-os junto do sistema civilizacional. Por outras palavras, a sociedade acaba por ter acesso à informação mais rapidamente, evitando longos percursos, demorados tempos de viagem e gastos desnecessários. Em contrapartida, com a grande desvantagem de termos o congestionamento da cidade e consequentemente dos sistemas que, à pirori, seriam a vantagem desta centralização. Esta vantagem, torna-se numa grande desvantagem.
A vida moderna, como foi bem foi representada no filme Playtime de Jacques Tati, em 1967, continuará a ser vivida com uma grande dose se solidão, maior do que a vivida nos grandes campos rurais. O Homem moderno é individualista, ainda que viva numa avenida muito povoada ou até num edifício com bastantes fogos, não se perde em saudar os demais transeuntes, antes ignora-os. O smartphone pode afirmar-se como marco civilizacional, pois veio facilitar muito o quotidiano, a questão da velocidade e da portabilidade, por outro lado, veio trazer um novo universo de preocupações. Alimentar as redes sociais, nas quais somos pessoas fictícias e fazemos amizades virtuais, de maneira a acalentar o ego, parecendo assim que estamos rodeados de amigos, o que na verdade não passa de um álbum fotográfico de dezenas de retratos que, na maioria, nem conhecemos.
Escravos de uma sociedade consumista e fútil que vive o momento e que valoriza as relações virtuais ao invés das relações presenciais. As camadas mais jovens integram-se pelos consumos, seja em que formatos forem, gastando tempo e iludindo-se em que estão acompanhadas, quando no final a sua verdadeira companhia consiste numa parafernália de equipamentos ou gadjets que devoram um tempo sem tempo, como que compensando assim o tédio citadino ou uma solidão perpétua. O nosso tempo de hoje é rápido e efémero, gasta-se e pouco ou nada se vive, contrapondo-se a uma elevação dos comportamentos autênticos e ao verdadeiro regresso à “pureza” das coisas da vida.

André Lopes Cardoso
Secretário-Geral da JMP