segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Campino


O campino é um “cowboy à portuguesa”, pois trabalha no campo, ou seja, é um trabalhador do campo cavaleiro. É uma personagem-tipo que representa um grupo social, os escudeiros ribatejanos e, tem como tarefa predominante, conduzir gado bravo (touro para lide). A sua indumentária é também bastante característica e cheia de pequenos pormenores. O barrete verde com dobra encarnada é um dos símbolos que mais o destacam perante os outros trabalhadores (lavradores), camisa branca, colete encarnado e jaqueta sobre o ombro esquerdo. Na cintura possui uma cinta encarnada, calça azul e meias brancas de renda até ao joelho, estas profusamente desenhadas e sapatos pretos com esporas. Para facilitar a sua fascina diária possuem também um pampilho, que é utilizado na condução do gado.
Por ser uma personagem-tipo do Ribatejo, foi implementada em Vila Franca de Xira, a festa do Colete Encarnado (1932), por José Van Zeller Pereira Palha, na qual o Campino é figura ilustre.


Campino, Ribatejo, Portugal

http://ranchobenficaribatej.home.sapo.pt/Rancho_Etnografia/
Etnografia_ficheiros/imagens/trajos/campinos/campino.jpg, acedido a 7 de Janeiro de 2013.

"
Enche-se a planura de risos e benesses. As ceifas avizinham-se e pelos campos – Sol ao alto – não há viv’alma. Tudo amodorra e se prepara para a grande festa da eira – o grão a surgir como pepitas de ouro, bem mais preciso por ir ao encontro da fome e despejar no estômago do povo o saboroso pão do almoço.
 FESTA DO COLETE ENCARNADO – legenda heroica de terra que cria o pasto tenro e alimenta o touro, o dominador da Lezíria. É êle – o Colete Encarnado – o símbolo da festa pagã por excelência – a corrida. Drapejam estandartes, salpica-se o ambiente de gritos e de sons e o lavrador, satisfeito, tira da bravura ou da fraqueza dos animais, ensinamentos para a próxima experiência.
 FESTA DO COLETE ENCARNADO... mas já se ouvem os primeiros alarmes. A apartação terminou e os touros, enquadrados pelos cabrestos, pelos campinos e não poucos amadores. Vêm, a passo, pelo campo. As primeiras casas surgem. Um ou outro atrevido... mas a calma dos animais não se altera. Mais uns passos... a poalha doirada do sol cede um pouco do terreno conquistado à sombra dos muros, das árvores, das casas... os primeiros gritos de povoação... o apêrto do quadrado que envolve os touros e ei-los que, em desfilar rápido – friso magnifico de impetuosidade – se atiram para a frente.
-Aí estão eles...Eh!boi... pega-lhe de cara... aguenta-te...
É uma aguarela viva. Há panos que se revolvem no ar; corpos que se esgueiram nos portais; bôcas abertas numa gargalhada provocante. A rua é um friso animado de mulheres bonitas e de flôres. Os campinos são a nota rubra da manhã...”[1]


Campino a Cavalo, Simão Luís Frade da Veiga (1879-1963)
óleo s/ tela 60 X 49 cm

Apresento uma série de fotografias dos episódios da vida do Maioral José Tavares, um dos maiores e mais valorosos campinos da campina ribatejana.

Maioral José Tavares saltando uma vala na Lezíria de Vila Franca de Xira
Maioral José Tavares picando touro

Picaria no Ribatejo

Maioral José Tavares, envergando o traje de trabalho

André Lopes Cardoso


[1] Citado do Jornal “O Ribatejo”, Ano II – Nº 78-79, Vila Franca de Xira, 11 de Julho de 1937.

Folclore


O folclore é a génese da Cultura Popular que se retrata através dos ranchos folclóricos. Um rancho designa um grupo de pessoas que tentarão recriar o passado de um povo, os seus usos e costumes, como a peixeira, o lavrador, o campino, a noiva, a camponesa - etnografia. Por outro lado, o Folclore é uma reunião de factos histórico-culturais de um povo, que são transmitidos de geração em geração. Com base em lendas, superstições, crenças, danças, canções, artesanato, jogos, religião, brincadeiras, dialetos, os ensaiadores criam cenários populares, de maneira a retratar os costumes do povo. Segundo a UNESCO, o Folclore é a marca do povo, criando a sua própria identidade social, comunicativa, através dos seus antepassados, retratando a sua nação. As criações feitas, por vezes, podem não ser fidedignas, mas como estão enraizadas há imenso tempo, acabam por ser acatadas por todos; muitos dos costumes resultam da migração, de trocas de conhecimento com o estrangeiro; outros, dos povos que por cá passaram há muitos anos e que foram deixando as suas origens entrarem na nossa cultura. O interesse pela temática Folclore (cultura popular) surgiu por oposição à cultura de elites, que sempre foi a mais aclamada por todo o mundo, se calhar por ser erudita. Os estudos dos Grimm e Herder (Alemanha), iniciados no final do século XVIII e início do século XIX, foram os pioneiros nesta área, cedo se difundiram por todo o mundo, procurando e investigando as formas literárias, músicas, práticas religiosas. O termo Folclore advém de folklore, criado em 1846 por Ambrose Merton (pseudónimo de William John Toms), compondo a palavra folk e lore, que significa povo e saber (Abílio, 2008).

"Um grupo folclórico (ou rancho folclórico, etnográfico) é por inerência da sua constituição uma força ao serviço da investigação, defesa e promoção dos valores patrimoniais da comunidade em que se insere, no campo específico das tradições orais. Orais e não só, na medida em que estas se articulam com registos escritos e materiais. E é a pensar nisso que muitos ranchos folclóricos têm preferido a designação de etnográficos, ampliando assim os objectivos até à descrição atenta das manifestações culturais das populações, a nível regional, sub-regional e local."  
                                                           
                                                                                                                              (Cabral 1999, s.p.)[1]

                  No caso dos Ranchos Folclóricos do Ribatejo retrata-se substancialmente a ceifeira, o campino, os Noivos e os Festeiros. A ceifeira é representada com um lenço de cor escura com ramagens de flores, papoilas e outras cores vivas, blusa de popelina branca com bordados alusivos ao campo, predominantemente a espiga e ramagens verdes, avental preto também ele desenhado com bordados, saia de fazenda vermelha com fita de seda debruando o terminar da saia, com os culotes franzidos de popelina rendados e saiote, meias tipo croché rendilhadas brancas, sapato fechado, que muitas vezes só calçavam à entrada da vila para não pagarem multa por andarem descalças. O campino é o guardador de gado bravo ribatejano, tendo no seu traje de festa o barrete verde, cinta encarnada, colete encarnado, camisa branca, jaqueta e calção de montar azul, meia banca de algodão extremamente bordada, sapato preto de salto de prateleira. Os Noivos são retratados como se fossem casar, para o homem fato de fazenda preto, camisa branca, sapato de tacão preto, meia fina e gravata cinza. A noiva normalmente utiliza um vestido de lã verde, azul ou ocre, sapato preto de presilha e meia de seda. No caso dos nobres festeiros o homem é retratado com o chapéu à mazantina (mazzantini), cinta preta, jaleca, colete e calça de fazenda preta ou cotim, meia fina e sapato de salto de prateleira preto ou ensebado. No caso da senhora, lenço de seda adamascado, vestido de seda ou lã clara meia branca e sapato preto com presilha. Eventualmente podem existir alterações aos trajes, até porque é bastante complicado encontrar este tipo de vestuário, fazendo-se adaptações. Retratou-se o rancho folclórico etnográfico por intervenientes camponesas, mas existem também Ranchos que representam o grupo social dos pescadores como é o caso do Rancho Folclórico dos Varinos e o Rancho Folclórico dos Avieiros, que são grupos sociais distintos do grupo social dos camponeses, não só pelos seus costumes, mas também pelo labor.
Existem cerca de 446 ranchos folclóricos ou grupos de folclore federados na Federação do Folclore Português. A maior concentração de ranchos recai para a zona Norte e Centro do país, mas estes existem por todo o território, incluindo ilhas. Existem ainda imensos outros grupos que não estão federados, mas que, de alguma maneira, vão mantendo vivos os costumes do seu povo (Federação do Folclore Português, 2013).


[1] Disponível em: http://folclore-online.com/ranchos/menu.html#.UastZGTwKQ1, consultado a 16 de Janeiro de 2013.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Tertúlia Tauromáquica


Caros blogueiros,
sabendo que a Feira de Outubro – Salão de Artesanato de Vila Franca de Xira abre portas no dia 5 de Outubro de 2013 e termina a 13 de Outubro de 2013, apresento-vos uma temática que vem ao encontro das festas ribatejanas, tema que tem suscitado alguma controvérsia, mas que apoia e suporta as Festas Populares de Vila Franca de Xira que são as Tertúlias Tauromáquicas.
O texto que a seguir vos apresento resulta de uma das minhas investigações para a tese de mestrado intitulada “Cultura Popular Portuguesa – utilização de objetos da Cultura Popular Portuguesa para o Design de Espaços Comerciais”. Este texto é representativo de um caso de estudo também ele intitulado – tertúlia tauromáquica – pois foi um dos conceitos espaciais que utilizei para o desenvolvimento projetual da referida tese de mestrado. Por outro lado, este tema foi debatido no dia 3 de Setembro na Praça de Touros Palha Blanco, em Vila Franca de Xira, de maneira a perceber-se o que poderia melhorar nas tertúlias e de que maneira as tertúlias podem contribuir para um melhoramento das Festas Populares em Vila Franca de Xira. O debate foi apresentado pelo Dr. David Fernandes, moderado pela Srª Presidente da Junta de Freguesia Ana Câncio e teve como arguentes membros de tertúlias do concelho de Vila Franca de Xira.
A Tertúlia Tauromáquica como caso de estudo:
A escolha da Tertúlia Tauromáquica como caso de estudo surgiu por ser um espaço multicultural e icónico da região do Ribatejo. A escolha foi feita por saber-se de antemão que o espaço tertuliano é por excelência representativo da Festa Brava e, para tal, são utilizados artefactos regionais ligados à Tauromaquia para compor toda a ambiência espacial.
A tertúlia tauromáquica é um conceito muito interessante de espaço convivial temático, centrando-se numa temática muito específica, mas muito popular na região ribatejana; o conceito é semelhante ao descrito nesta investigação, mas mais focado numa determinada temática.

Génese da Tertúlia Tauromáquica

Uma tertúlia é por excelência um local onde se reúnem familiares e amigos, local onde se come e debate assuntos vários. No caso da tertúlia tauromáquica, o assunto fulcral é a Festa Brava, sendo abordados assuntos relacionados com Touradas, Garraiadas, Festas Populares. Não se sabe a existência desta tradição, mas em Vila Franca de Xira existem cerca de 45 Tertúlias Tauromáquicas registadas. A missão destas assembleias é reunir os amigos tertulianos, discutindo variadas temáticas de interesse geral. Em Vila Franca de Xira, durante as Festas do Colete Encarnado, a Câmara Municipal alia-se às Tertúlias e fornece sardinhas, pão e vinho para que toda a população tenha acesso a estes bens tradicionais, principalmente na Noite da Sardinha Assada (Sábado de Colete Encarnado). A atividade tertuliana também está bem patente durante a Feira de Outubro – Salão de Artesanato, pois existem as conhecidíssimas Esperas de Touros seguidas de Largadas, as quais culminam num bom petisco nas tertúlias. A mais antiga de Vila Franca é a Tertúlia Cirófila sediada na Rua da Praia em Vila Franca de Xira, fundada a 11 de Novembro de 1969. Esta tertúlia tem mantido a afición, pois não é só do que se passa para dentro do burladero que vive a cultura dos toiros. Sabe-se que a origem das tertúlias é espanhola, mas foi com o espírito de se debater temas de índole tauromáquica que se constituíram estas assembleias, influenciando a cultura taurina.
Relativamente ao espaço, as tertúlias vivem imenso de fotografias de touradas, de cartazes com cartéis taurinos, cartazes de seda, bilhetes, bandarilhas, vestuário tauromáquico, cabeças de touros, cabeças de cavalo, arreios, pinturas, capotes, moletas, barretes de forcados, pampilhos, tricórnios, estribos, ferraduras, criando quase que um museu ou um espólio variado de museu etnográfico.
Muitas outras tertúlias têm mostrado o seu empenho em manter a tradição viva, como por exemplo a Tertúlia “O Estoque”. Sediada numa garagem junto ao Mercado Municipal de Vila Franca de Xira, a tertúlia é pertença de uma das famílias mais conhecidas, os Letra, conhecidos por serem varinos, avieiros, também alguns membros pertencentes ao Grupo de Forcados.
Atualmente as tertúlias tauromáquicas estão em voga, pois é uma maneira de manter viva a tradição tauromáquica, a amizade pela Festa Brava e de reunir com os amigos tertulianos. A Tertúlia Ramboia e a Tertúlia Irmandade são caso disso, sendo constituídas na sua maioria por jovens dinâmicos e entusiastas pelas lides tauromáquicas. A proliferação das tertúlias tem-se dado por todo o país, principalmente nas regiões com forte ligação a atividades tauromáquicas e, claro está, à Festa Brava.
Materiais de revestimento e artefactos regionais (cobertor de papa), Tertúlia Cirófila, Vila Franca de Xira


Mostruário de indumentária tauromáquica, Tertúlia Cirófila, Vila Franca de Xira

Cabeça de touro, Tertúlia Cirófila, Vila Franca de Xira

Vista geral, Tertúlia O Estoque, Vila Franca de Xira

Indumentária de forcado, Tertúlia O Estoque, Vila Franca de Xira

Arreios para cavalo, Tertúlia Cirófila, Vila Franca de Xira

Síntese Conclusiva

Após observadas várias tertúlias tauromáquicas em Vila Franca de Xira pode-se constatar que é verdadeiro o amor que os ribatejanos sentem por estes espaços. Normalmente os espaços são herdados dos pais, ficando a cabo dos filhos mais velhos, tentando manter vivas as raízes da família e o conteúdo das festas regionais. Por outro lado, manter também ativa a tertúlia (quando registada) nas festas populares, nomeadamente nas Festas do Colete Encarnado.
A arquitetura da tertúlia pode ser variada, uns concebem-nas em garagens, outros em espaços próprios para o efeito, não sendo relevante o espaço em si, mas a ambiência vivida nesse mesmo lugar. São os artefactos populares ligados à Tauromaquia que criam uma representação quase encenada de uma ideia coletiva de Festa Brava. Relativamente aos materiais de revestimento existentes, verificou-se em muitos casos a utilização de tijolo de burro nas paredes, bem como pinturas areadas, ou simplesmente estuque branco. Quanto ao pavimento, verificou-se a utilização de solho, mosaico e, por vezes, tijoleira de barro vermelho.
Em jeito de conclusão, as tertúlias fazem parte da identidade de Vila Franca e podem ser visitadas por qualquer pessoa, apesar de serem consideradas “privadas”. A Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira está a organizar uma base de dados relativa às tertúlias vila-franquenses de maneira a que possam ser visitadas mais facilmente sem ser somente nas ditas festas tradicionais. A base de dados contará com moradas e contactos de alguns membros de maneira a que possam abrir as portas da sua tertúlia quando solicitado pelo turista, pelo investigador, pelo curioso. Para além dessa plataforma (base de dados) que estará disponível na Câmara Municipal, Junta de Freguesia e Posto de Turismo, o mapa da cidade (panfleto) onde se encontram as moradas das tertúlias está também a ser refeito, de forma a que se encaixem as muitas novas tertúlias, disseminando-as e tornando a festa mais ampla e abrangente. A informação estará brevemente disponível no site da Junta de Freguesia e no Posto de Turismo.

André Lopes Cardoso