Introdução
Biografia de Klee
A seguinte investigação tem como objectivo, apresentar o processo criativo de
Paul Klee. Para uma explicação mais simplificada, apresenta‐se também a vida e
obra, de modo a podermo‐nos situar mais facilmente as épocas, mas também
nas fases de Klee.
A escolha do autor a tratar foi complexa, pois nunca tive um desafio deste
género, estudar o processo criativo de um autor. A par disso, escolhi Paul Klee,
pois identifico‐me com ele, a relação com a Música transmitida através da
Pintura. No meu caso particular, não me relaciono intimamente com a Música,
mas sim com as Artes Performativas de uma maneira geral.
Biografia de Klee
Paul Klee nasceu a 18 de Dezembro de 1879, perto de Berna, em Suíça. O
pai era alemão e depois de ter frequentado a Escola do Magistério Primário na
Francónia Central, estudou, Canto, Piano, Órgão e Violino no Conservatório de
Estugarda, onde conheceu Ida Frick (1855-‐1921), natural de Basileia, que ali
estudava Canto. Casaram em 1875.
Hans ensinou Música até 1931, no Conservatório Nacional de Berna, em
Hofwil. Em 1876, nasceu a sua filha Mathilde e posteriormente Paul.
Paul Klee desde bem cedo que revelou um talento imenso para o violino;
tocava na Orquestra Municipal ainda antes de terminar a Escola Secundária de
Literatura.
Em 1898 viajou para Munique, após ter terminado o liceu, de modo a
estudar Pintura. Em 1901 e 1902, esteve em Itália. Desde 1902 a 1906,
prosseguiu os seus estudos de arte em Berna. Em 1905, efectuou a sua primeira
viagem a Paris. No ano seguinte, casou-‐se com a pianista Lily Stumpf, tendo-‐se
estabelecido nessa mesma cidade. Lily sustentou a casa durante dez anos, dando
aulas de piano. Foi nesta altura que Klee descobriu a obra de Van Gogh, e a de
Cézanne, o “mestre por excelência”.
Em 1911, travou conhecimento com Kubin, Jean Arp e alguns artistas da
escola Der Blaue Reiter, Kandinsky, Marc e Macke, e desenvolveu uma paixão
pelos quadros de Delaunay. Realizou uma segunda viagem a Paris e traduziu o
texto de Delaunay intitulado “Luz”. Teve ainda a oportunidade de visitar as
galerias francesas de vanguarda.
No inicio de 1914, Klee fez uma viagem de três semanas à Tunísia,
juntamente com os pintores Moillet e Macke. Esta viagem foi um marco na obra
de Klee, pois serviu como ponto de viragem, ficando mobilizado em 1916 e 1918.
A sua reputação consolidou-‐se após a guerra. Em 1920 foi nomeado
professor da Bauhaus, que tinha sido fundada por Walter Gropius em Weimar,
em 1919. Em 1925, a Bauhaus foi transferida para Dessau. No mesmo ano, Klee
participou na primeira Exposição Surrealista em Paris, e a sua primeira
exposição individual realizou-‐se na Galeria Vavin-‐Raspail.
Em 1929, viajou até ao Egipto. Em 1931, abandonou a Bauhaus para
ensinar na Academia de Belas-‐Artes de Dusseldorf. Foi demitido dois anos depois
devido à pressão nazi.
Este acontecimento afectou-‐o consideravelmente, e Klee refugiou-‐se em
Berna, na sua cidade Natal. No entanto, a sua saúde descaiu rapidamente.
Em 1935, foi atingido pela esclodermia1. Em 1937, Braque e Picasso
deslocaram-‐se a Berna para o visitar. As obras de Klee que constavam de coleções publicas alemãs foram
confiscadas, e dezassete delas fizeram parte da exposição “Arte degenerada” que
se realizou em Munique.
Em 1940, a Kunsthaus de Zurique montou uma exposição das obras de
Klee realizadas após 1935. No dia 29 de Junho de 1940, Paul Klee faleceu, vítima de uma paralisia do
coração. Foi enterrado no cemitério de Schlosshalden, em Berna.
Herança de Klee – Da Música à Pintura
Desde bem cedo que demonstrou um gosto enorme pela música, talvez
incutido pelos pais. O pai, Hans Klee, leccionava canto e a mãe leccionava cursos
no Conservatório de Stuttgart. Com toda esta envolvência na música, Klee
começou desde pequeno a lidar com a música, mas o seu gosto era mesmo pelas
«artes degeneradas», nomeadamente a Pintura e a Literatura.
A avó Frick foi com quem lhe ensinou a fazer os primeiros traços com o
lápis e com o pincel. Desde logo a avó Frick percebeu que o seu neto tinha
enorme aptidão para o desenho, então apostou no neto, a fim dele aprender algo
mais acerca desta área tão peculiar para o pequeno Klee. Os pais sempre revelaram uma oposição perante o caminho escolhido por
Klee (Pintura), pois ambos queriam que fosse músico, tal como eles próprios.
Paul ficou sempre de pé atrás pela Música, pois “estava convencido de que a
música já tinha atingido o apogeu; os compositores modernos não o
interessavam.”2; assim, foi para Munique para uma Escola de Belas-‐Artes, de
modo a aperfeiçoar a sua técnica de Pintura, e foi aí que, começou a relacionar a
sua Pintura com a Música que lhe foi incutida, desde criança.
Fuga em Vermelho |
O quadro Fuga em Vermelho, representa bastante bem a ideia da composição musical inserida na Pintura. A multiplicação de formas e cores emergem do fundo preto também nuançado, bem como a clareza formal é digna da
frase musical de uma fuga.
A sua maior pertinência era conjugar a música com a pintura, pois eram
as suas grandes paixões. Foi então que, começou a sua carreira aliando as duas
vertentes. Aos 23 anos, Paul afirmou que «“A terceira estrada consiste no
aprendizado de um modesto e ignorante autodidata, um minúsculo eu sozinho.”,
assinando assim um grande poder de autonomia espiritual, caminho próprio e
inconfundível que se traçou no labirinto da arte moderna.»
Enquanto estudante de Academia em Munique, Klee nunca ficou muito
agradado com a pintura académica, foi em Van Gogh que encontrou a sua
verdadeira orientação. Abandonando pouco a pouco a fidelidade de
representação dos objectos, encontra a deformação perfeita da linha nalguns
quadros de Van Gogh.
A Pincelada de Klee
“Concebo um motivo muito diminuto e tento representá-‐lo de forma
sumária, naturalmente por meio de “estágios”, mas de modo prático, isto é,
armado de um lápis. Partindo desta ação concreta, resulta algo bem melhor,
dessa série de pequenos atos repetidos, que de um élan poético sem forma e
sem figuração... Todas as coisas pequeninas e justapostas umas às outras,
estreitamente, formam um conjunto que em si constitui uma actividade real.
Aprendo retomando desde o principio, começo a formar alguma coisa como se eu
ignorasse tudo sobre pintura. Porque descobri uma propriedade incontestada
até agora, um género especial da representação em três dimensões sobre a
superfície”5. Estas palavras de Klee caracterizam, sucintamente, o homem e o artista, tal como ele gostaria de ser visto, e pode dizer-‐se que elas são como que o
seu manifesto.
Tentando sempre esforçar-‐se por transmitir uma ideia favorável de si
próprio, Klee afirmava variadas vezes que a sua Pintura não era para admirar,
mas sim para vivenciar.
«Do ponto à linha, da cor à modulação tonal, ele combinou respeito à natureza e invenção de uma linguagem abstracta.»6
As viagens que fez revelaram algumas divergências ao nível compositivo,
devido às influencias espaciais. Quando viajou ao Egipto, Klee retrata paisagens
bastante geometrizadas e com cores bastante gritantes.
Estrada Principal e Estradas Secundárias |
No quadro Estrada Principal e Estradas Secundárias, podemos observar
uma visão bastante abstracta da paisagem egípcia. Ainda assim, Klee tenta
manter alguns laços estruturais em conformidade com a realidade do espaço.
Uma perspectiva diferente
Sem renegar o naturalismo da arte chamada clássica ou figurativa, que
provocou a rebelião abstracta de Kandinsky, sem tão pouco reduzir a pintura ao
neoplasticismo de Mondrian, Klee vê na Arte uma constante mutação, nervosa e
sensível, angustiada e transcendente como o próprio destino do homem.
«Neste lado de cá, não sou nada de palpável, pois vivo tanto com os
mortos como com aqueles que ainda não nasceram, um pouco próximo da
criação do que é habitual, embora ainda não suficientemente perto. Será que
emana calor de mim? Frio? É impossível falar disto sem paixão. Quando estou
mais longe é que me sinto mais piedoso. Por vezes, vejo-‐me, do lado de cá, um
pouco malicioso. Isto são aspectos de um conjunto. Os padres não são
suficientemente piedosos para o ver. E estes sábios ficam um pouco
escandalizados.»7, neste excerto conclui-‐se que Klee era mesmo um pintor
abstracionista, pois a maneira de encarar o mundo é bastante sutil.
A meu ver, o pintor nunca encontrou uma estabilidade emocional durante
a vida, tentando sempre impressionar o observador quanto à sua perspectiva de
vivencias e factos. Através da Pintura, queria mostrar o seu modo de ver o
mundo, o modo como encarava a vida.
O quadro intitulado Anoitece, vem demonstrar a sua “revolta mundana”.
Entre áreas azuis e cinzentas, apresentam-‐se formas suspensas num labirinto
minucioso que reproduz o mundo em convulsão. Neste exemplo, Klee tenta representar a sua visão de código simbólico e inegavelmente trágico da
existência humana.
O pensamento criativo de Klee
O pensamento criativo de Klee é bastante interessante, sendo o primeiro
pintor moderno a atribuir um valor criativo à Arte realizada por doentes
mentais. “«Hoje em dia, no que diz respeito à reforma da Arte, as obras
realizadas por doentes mentais devem ser consideradas como mais importantes
do que todas as galerias do mundo»”, desta maneira, Klee tenta mostrar junto da
sociedade, que as obras feitas por doentes mentais não são alucinações, mas sim
matéria importante para compreender a vida de um individuo com problemas
mentais. Desta maneira, tenta também levantar o véu, para que os críticos de
arte não avaliem os quadros mediante o que está figurativamente representado,
mas pelo que está incutido no mesmo, conceptualmente.
Villa R |
No quadro intitulado Villa R, Klee faz um aproveitamento das letras do alfabeto que é uma inovação cubista (por vezes utilizado o recorte e a colagem), que transporta o seu mundo poético: casa de brinquedos, paisagem de sonho, céu enluarado. Nesta geometrização formal, o pintor viaja a um universo infantil para demonstrar a importância do papel das crianças. “«(...) As crianças também têm capacidades artísticas, e há sabedoria neste facto! Quanto mais indefesas forem, mais instrutivos serão os exemplos que elas nos facultam; e têm de ser conservadas longe da corrupção desde tenra idade. As obras de doentes mentais fornecem-‐nos fenómenos semelhantes; nem o comportamento infantil nem a loucura são palavras insultuosas neste contexto como costumam ser. (...) Se as correntes da tradição passada estão, tal como acredito, a perder-‐se realmente, e os ditos pioneiros resolutos (cavalheiros liberais) exibem rostos aparentemente saudáveis e frescos, mas na verdade, sob a perspectiva histórica a longo prazo, são a própria encarnação da exaustão, então é chegado um grande momento, e saúdo aqueles que se esforçam por concretizar a reforma iminente.»”9, conforme a citação de Paul, conclui-‐se que o que ele quer transmitir é que, não é o rosto aparentemente saudável e fresco que é arte, muito pelo contrário, isso é enaltecer um objecto podre, despojado de matéria, fútil. Klee transmite a ideia de uma arte que tem de ser vista com base num conceito, numa condição. As crianças, por serem inocentes, são objecto de estudo, representam o mundo que vêm de modo a proporcionar a sua própria visão – espírito naif10; o mesmo se passa com os doentes mentais, que por estarem numa condição diferente dos restantes indivíduos racionais, estão num patamar que merece destaque, o qual é visto de uma maneira, mais irracional e irreverente. O pintor enquadra-‐se nestas duas condições (crianças e doentes mentais), pois afirma que é neles que está a esperança da Arte moderna.
Conclusão
Não se integrou em nenhuma das principais correntes da Arte do século
XX, mas deu um contributo imenso para a compreensão da Arte. Para além de ser
um dos pais fundadores da pintura contemporânea, Klee é um nome sonante
quando pensamos em inovação e progresso.
Ao longo da sua vida, renovou a sua técnica numa busca constante de
novas fontes de inspiração, mesmo não estando inserido em nenhum estilo em
particular. O poder misterioso da sua Arte manifesta-‐se nas suas mais modestas
aguarelas ou no mais improvisado esboço, resultando num jogo dinâmico de matizes e formas inesperadas, acidentais. A sua originalidade assenta na busca da realidade – o derradeiro enigma.
1 A Esclerodermia ou Esclerose Sistémica é uma doença reumática crónica caracterizada por alterações vasculares, produção de anticorpos dirigidos contra partes do próprios corpo (auto-‐ anticorpos) e aumento da produção de tecido fibroso quer na pele, quer em órgãos internos do corpo.
2 Citado de Diários de Paul Klee.
3 Pertença da Coleção Félix Klee, Berna.
4 Citado segundo Werckmeister 1981, pág. 173, nota 39.
5 AAVV. Génios da Pintura – Klee. São Paulo: Abril Cultural, 1968, pág. 4.
6 AAVV. Génios da Pintura – Klee. São Paulo: Abril Cultural, 1968, pág. 3.
7 LEOPOLD Zahn: Paul Klee. Leben, Werk, Geist, Potsdam 1920, pág. 5.
8 FERRIER, Jean-‐Louis. Paul Klee. 1a edição. Lisboa: Centralivros, Agosto 2001, pág.57.
9 FERRIER, Jean-‐Louis. Paul Klee. 1a edição. Lisboa: Centralivros, Agosto 2001, pág.57.
10 certo tipo de pintura, escultura espontânea e autodidata, desvinculada de escolas
convencionais, que resulta em composições primitivas, de fácil compreensão.
Bibliografia
AAVV. Génios da Pintura – Klee. São Paulo: Abril Cultural, 1968.
FERRIER, Jean-‐Louis. Paul Klee. 1a edição. Lisboa: Centralivros, Agosto 2001.
NAUBERT‐RISER, Constance. Klee. Lisboa: Circulo de Leitores, 1994. PARTSCH, Susanna. Klee. Colónia: Taschen, 2004.
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