sexta-feira, 26 de abril de 2013

GONÇALO!


Como já reparam o nosso blog mudou de cara, fornecendo-lhe assim uma aparência mais séria. Espero que gostem!

Queria ainda declarar que as vossas mensagens são uma mais valia para continuarmos a trabalhar no sentido de oferecer uma variedade alargada de temáticas relacionadas com a Cultura Popular Portuguesa e, claro está, com o Design Português, Arquitetura e áreas adjacentes. É bom receber feedback, tanto positivo, com menos positivo, fazendo com que melhoremos as nossas investigações, as nossas experiências.

Hoje deixo-vos um tema que gosto imenso, pois estão em imensos sítios, mas na verdade não existe muita informação sobre elas, apesar de serem bastante contemporâneas. No entanto, com alguma pesquisa bibliográfica conseguiu-se reunir alguma informação interessante.

Quero ainda pedir, para quem utilizar a informação que se encontra neste blog, disponível a todos os visitantes, quer em Portugal, quer no estrangeiro, que REFERENCIE a fonte de busca, não é complicado e evita chatices. Para quem não sabe referenciar uma fonte consultada, basta fazer (neste caso):

(André Lopes Cardoso, 2013) in concept-board.blogspot.pt, acedido a 26 de Abril de 2013.




A cadeira Gonçalo, como é vulgarmente conhecida é a cadeira apanágio portuguesa, utilizada principalmente em esplanadas, pois é ergonómica, altamente resistente às alterações climatéricas e é empilhável, sendo fácil a sua arrumação. As suas linhas são muito simples, no entanto reveladoras de um aprofundado conhecimento sobre física e resistência dos materiais, devido às arriscadas dobras dos tubos que a constituem. A estrutura é toda concebida em metal, composta por quatro elementos: um tubo posterior que formaliza as pernas traseiras, o apoio de braços e o contorno superior do encosto; outro tubo que define as duas pernas anteriores e o contorno posterior do assento; um encosto curvo e ligeiramente inclinado que é fixo ao tubo; assento ligeiramente reclinado com bordo dianteiro curvo. As primeiras cadeiras tubulares deverão ter chegado a Lisboa durante os anos 30 do século XX, provenientes da Bauhaus, mas cedo se difundiram por todo o país. Em meados dos anos 50, Gonçalo Rodrigues dos Santos criou então a cadeira, que só se viu registada nos anos 90 pela Arcalo[1], sendo atualmente um dos fabricantes deste exemplar. A sua proliferação foi grande, mas nos anos 70 do século XX sentiu-se uma enorme quebra na produção da Gonçalo, devido ao advento do Plástico e das cópias massivas. Somente nos anos 90 renasceu o interesse por este ícone do Design Português, talvez com o advento do Centro Cultural de Belém e da Expo 98, pois todas as suas esplanadas eram equipadas com Gonçalas (Soares & Ermanno, 2005).

“... a cadeira de esplanada, em tubo de aço dobrada, que na década de 40 povoou o espaço exterior do Café Lisboa, na Av. Da Liberdade, e se distribuiu depois por todo o país, é design português da autoria do mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos que de um anonimato, passa agora a chamar-se “Gonçalo”...”
                                        Arcalo, 2005, in Arcalo

Atualmente a cadeira Gonçalo é muito procurada e existe em vários materiais e acabamentos como madeira, chapa de inox, várias colorações, entre outras especificações.






André Lopes Cardoso



[1] É uma empresa especialista há mais de 50 anos na produção de mobiliário de exterior. A Arcalo foi uma das principais empresas produtoras da cadeira Gonçalo, tendo sido posta à prova durante a Expo 98, pois teve de conceber cerca de 9000 exemplares Gonçalo, atingindo assim um lugar de topo a nível nacional na produção de mobiliário de exterior. Atualmente já se encontram a produzir novos modelos de cadeira e mesas, com recurso a materiais superiores como o alumínio e o inox, realizando projetos completos para esplanadas com novos detalhes que fazem toda a diferença.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Da Música à Pintura


Introdução

A seguinte investigação tem como objectivo, apresentar o processo criativo de Paul Klee. Para uma explicação mais simplificada, apresenta‐se também a vida e obra, de modo a podermo‐nos situar mais facilmente as épocas, mas também nas fases de Klee.
A escolha do autor a tratar foi complexa, pois nunca tive um desafio deste género, estudar o processo criativo de um autor. A par disso, escolhi Paul Klee, pois identifico‐me com ele, a relação com a Música transmitida através da Pintura. No meu caso particular, não me relaciono intimamente com a Música, mas sim com as Artes Performativas de uma maneira geral.

Biografia de Klee

Paul Klee nasceu a 18 de Dezembro de 1879, perto de Berna, em Suíça. O pai era alemão e depois de ter frequentado a Escola do Magistério Primário na Francónia Central, estudou, Canto, Piano, Órgão e Violino no Conservatório de Estugarda, onde conheceu Ida Frick (1855-­‐1921), natural de Basileia, que ali estudava Canto. Casaram em 1875.
Hans ensinou Música até 1931, no Conservatório Nacional de Berna, em Hofwil. Em 1876, nasceu a sua filha Mathilde e posteriormente Paul.
Paul Klee desde bem cedo que revelou um talento imenso para o violino; tocava na Orquestra Municipal ainda antes de terminar a Escola Secundária de Literatura.
Em 1898 viajou para Munique, após ter terminado o liceu, de modo a estudar Pintura. Em 1901 e 1902, esteve em Itália. Desde 1902 a 1906, prosseguiu os seus estudos de arte em Berna. Em 1905, efectuou a sua primeira viagem a Paris. No ano seguinte, casou-­‐se com a pianista Lily Stumpf, tendo-­‐se estabelecido nessa mesma cidade. Lily sustentou a casa durante dez anos, dando aulas de piano. Foi nesta altura que Klee descobriu a obra de Van Gogh, e a de Cézanne, o “mestre por excelência”.
Em 1911, travou conhecimento com Kubin, Jean Arp e alguns artistas da escola Der Blaue Reiter, Kandinsky, Marc e Macke, e desenvolveu uma paixão pelos quadros de Delaunay. Realizou uma segunda viagem a Paris e traduziu o texto de Delaunay intitulado “Luz”. Teve ainda a oportunidade de visitar as galerias francesas de vanguarda.
No inicio de 1914, Klee fez uma viagem de três semanas à Tunísia, juntamente com os pintores Moillet e Macke. Esta viagem foi um marco na obra de Klee, pois serviu como ponto de viragem, ficando mobilizado em 1916 e 1918.
A sua reputação consolidou-­‐se após a guerra. Em 1920 foi nomeado professor da Bauhaus, que tinha sido fundada por Walter Gropius em Weimar, em 1919. Em 1925, a Bauhaus foi transferida para Dessau. No mesmo ano, Klee participou na primeira Exposição Surrealista em Paris, e a sua primeira exposição individual realizou-­‐se na Galeria Vavin-­‐Raspail.
Em 1929, viajou até ao Egipto. Em 1931, abandonou a Bauhaus para ensinar na Academia de Belas-­‐Artes de Dusseldorf. Foi demitido dois anos depois devido à pressão nazi.
Este acontecimento afectou-­‐o consideravelmente, e Klee refugiou-­‐se em Berna, na sua cidade Natal. No entanto, a sua saúde descaiu rapidamente.
Em 1935, foi atingido pela esclodermia1. Em 1937, Braque e Picasso deslocaram-­‐se a Berna para o visitar. As obras de Klee que constavam de coleções publicas alemãs foram confiscadas, e dezassete delas fizeram parte da exposição “Arte degenerada” que se realizou em Munique.
Em 1940, a Kunsthaus de Zurique montou uma exposição das obras de Klee realizadas após 1935. No dia 29 de Junho de 1940, Paul Klee faleceu, vítima de uma paralisia do coração. Foi enterrado no cemitério de Schlosshalden, em Berna.


Herança de Klee – Da Música à Pintura

Desde bem cedo que demonstrou um gosto enorme pela música, talvez incutido pelos pais. O pai, Hans Klee, leccionava canto e a mãe leccionava cursos no Conservatório de Stuttgart. Com toda esta envolvência na música, Klee começou desde pequeno a lidar com a música, mas o seu gosto era mesmo pelas «artes degeneradas», nomeadamente a Pintura e a Literatura.
A avó Frick foi com quem lhe ensinou a fazer os primeiros traços com o lápis e com o pincel. Desde logo a avó Frick percebeu que o seu neto tinha enorme aptidão para o desenho, então apostou no neto, a fim dele aprender algo mais acerca desta área tão peculiar para o pequeno Klee. Os pais sempre revelaram uma oposição perante o caminho escolhido por Klee (Pintura), pois ambos queriam que fosse músico, tal como eles próprios. Paul ficou sempre de pé atrás pela Música, pois “estava convencido de que a música já tinha atingido o apogeu; os compositores modernos não o interessavam.”2; assim, foi para Munique para uma Escola de Belas-­‐Artes, de modo a aperfeiçoar a sua técnica de Pintura, e foi aí que, começou a relacionar a sua Pintura com a Música que lhe foi incutida, desde criança.


Fuga em Vermelho

O quadro Fuga em Vermelho, representa bastante bem a ideia da composição musical inserida na Pintura. A multiplicação de formas e cores emergem do fundo preto também nuançado, bem como a clareza formal é digna da frase musical de uma fuga.

«A decadência que caracterizava a história da criação musical não me incitava a compor.»4

A sua maior pertinência era conjugar a música com a pintura, pois eram as suas grandes paixões. Foi então que, começou a sua carreira aliando as duas vertentes. Aos 23 anos, Paul afirmou que «“A terceira estrada consiste no aprendizado de um modesto e ignorante autodidata, um minúsculo eu sozinho.”, assinando assim um grande poder de autonomia espiritual, caminho próprio e inconfundível que se traçou no labirinto da arte moderna.»
Enquanto estudante de Academia em Munique, Klee nunca ficou muito agradado com a pintura académica, foi em Van Gogh que encontrou a sua verdadeira orientação. Abandonando pouco a pouco a fidelidade de representação dos objectos, encontra a deformação perfeita da linha nalguns quadros de Van Gogh.

A Pincelada de Klee

“Concebo um motivo muito diminuto e tento representá-­‐lo de forma sumária, naturalmente por meio de “estágios”, mas de modo prático, isto é, armado de um lápis. Partindo desta ação concreta, resulta algo bem melhor, dessa série de pequenos atos repetidos, que de um élan poético sem forma e sem figuração... Todas as coisas pequeninas e justapostas umas às outras, estreitamente, formam um conjunto que em si constitui uma actividade real. Aprendo retomando desde o principio, começo a formar alguma coisa como se eu ignorasse tudo sobre pintura. Porque descobri uma propriedade incontestada até agora, um género especial da representação em três dimensões sobre a superfície”5. Estas palavras de Klee caracterizam, sucintamente, o homem e o artista, tal como ele gostaria de ser visto, e pode dizer-­‐se que elas são como que o seu manifesto.
Tentando sempre esforçar-­‐se por transmitir uma ideia favorável de si próprio, Klee afirmava variadas vezes que a sua Pintura não era para admirar, mas sim para vivenciar.

«Do ponto à linha, da cor à modulação tonal, ele combinou respeito à natureza e invenção de uma linguagem abstracta.»6

As viagens que fez revelaram algumas divergências ao nível compositivo, devido às influencias espaciais. Quando viajou ao Egipto, Klee retrata paisagens bastante geometrizadas e com cores bastante gritantes. 

Estrada Principal e Estradas Secundárias

No quadro Estrada Principal e Estradas Secundárias, podemos observar uma visão bastante abstracta da paisagem egípcia. Ainda assim, Klee tenta manter alguns laços estruturais em conformidade com a realidade do espaço.


Uma perspectiva diferente

Sem renegar o naturalismo da arte chamada clássica ou figurativa, que provocou a rebelião abstracta de Kandinsky, sem tão pouco reduzir a pintura ao neoplasticismo de Mondrian, Klee vê na Arte uma constante mutação, nervosa e sensível, angustiada e transcendente como o próprio destino do homem.
«Neste lado de cá, não sou nada de palpável, pois vivo tanto com os mortos como com aqueles que ainda não nasceram, um pouco próximo da criação do que é habitual, embora ainda não suficientemente perto. Será que emana calor de mim? Frio? É impossível falar disto sem paixão. Quando estou mais longe é que me sinto mais piedoso. Por vezes, vejo-­‐me, do lado de cá, um pouco malicioso. Isto são aspectos de um conjunto. Os padres não são suficientemente piedosos para o ver. E estes sábios ficam um pouco escandalizados.»7, neste excerto conclui-­‐se que Klee era mesmo um pintor abstracionista, pois a maneira de encarar o mundo é bastante sutil.
A meu ver, o pintor nunca encontrou uma estabilidade emocional durante a vida, tentando sempre impressionar o observador quanto à sua perspectiva de vivencias e factos. Através da Pintura, queria mostrar o seu modo de ver o mundo, o modo como encarava a vida.
O quadro intitulado Anoitece, vem demonstrar a sua “revolta mundana”. Entre áreas azuis e cinzentas, apresentam-­‐se formas suspensas num labirinto minucioso que reproduz o mundo em convulsão. Neste exemplo, Klee tenta representar a sua visão de código simbólico e inegavelmente trágico da existência humana.

O pensamento criativo de Klee

O pensamento criativo de Klee é bastante interessante, sendo o primeiro pintor moderno a atribuir um valor criativo à Arte realizada por doentes mentais. “«Hoje em dia, no que diz respeito à reforma da Arte, as obras realizadas por doentes mentais devem ser consideradas como mais importantes do que todas as galerias do mundo»”, desta maneira, Klee tenta mostrar junto da sociedade, que as obras feitas por doentes mentais não são alucinações, mas sim matéria importante para compreender a vida de um individuo com problemas mentais. Desta maneira, tenta também levantar o véu, para que os críticos de arte não avaliem os quadros mediante o que está figurativamente representado, mas pelo que está incutido no mesmo, conceptualmente.

Villa R

No quadro intitulado Villa R, Klee faz um aproveitamento das letras do alfabeto que é uma inovação cubista (por vezes utilizado o recorte e a colagem), que transporta o seu mundo poético: casa de brinquedos, paisagem de sonho, céu enluarado. Nesta geometrização formal, o pintor viaja a um universo infantil para demonstrar a importância do papel das crianças. “«(...) As crianças também têm capacidades artísticas, e há sabedoria neste facto! Quanto mais indefesas forem, mais instrutivos serão os exemplos que elas nos facultam; e têm de ser conservadas longe da corrupção desde tenra idade. As obras de doentes mentais fornecem-­‐nos fenómenos semelhantes; nem o comportamento infantil nem a loucura são palavras insultuosas neste contexto como costumam ser. (...) Se as correntes da tradição passada estão, tal como acredito, a perder-­‐se realmente, e os ditos pioneiros resolutos (cavalheiros liberais) exibem rostos aparentemente saudáveis e frescos, mas na verdade, sob a perspectiva histórica a longo prazo, são a própria encarnação da exaustão, então é chegado um grande momento, e saúdo aqueles que se esforçam por concretizar a reforma iminente.»”9, conforme a citação de Paul, conclui-­‐se que o que ele quer transmitir é que, não é o rosto aparentemente saudável e fresco que é arte, muito pelo contrário, isso é enaltecer um objecto podre, despojado de matéria, fútil. Klee transmite a ideia de uma arte que tem de ser vista com base num conceito, numa condição. As crianças, por serem inocentes, são objecto de estudo, representam o mundo que vêm de modo a proporcionar a sua própria visão – espírito naif10; o mesmo se passa com os doentes mentais, que por estarem numa condição diferente dos restantes indivíduos racionais, estão num patamar que merece destaque, o qual é visto de uma maneira, mais irracional e irreverente. O pintor enquadra-­‐se nestas duas condições (crianças e doentes mentais), pois afirma que é neles que está a esperança da Arte moderna.

Conclusão

Não se integrou em nenhuma das principais correntes da Arte do século XX, mas deu um contributo imenso para a compreensão da Arte. Para além de ser um dos pais fundadores da pintura contemporânea, Klee é um nome sonante quando pensamos em inovação e progresso.
Ao longo da sua vida, renovou a sua técnica numa busca constante de novas fontes de inspiração, mesmo não estando inserido em nenhum estilo em particular. O poder misterioso da sua Arte manifesta-­‐se nas suas mais modestas aguarelas ou no mais improvisado esboço, resultando num jogo dinâmico de matizes e formas inesperadas, acidentais. A sua originalidade assenta na busca da realidade – o derradeiro enigma.


A Esclerodermia ou Esclerose Sistémica é uma doença reumática crónica caracterizada por alterações vasculares, produção de anticorpos dirigidos contra partes do próprios corpo (auto-­‐ anticorpos) e aumento da produção de tecido fibroso quer na pele, quer em órgãos internos do corpo.
Citado de Diários de Paul Klee.
Pertença da Coleção Félix Klee, Berna.

Citado segundo Werckmeister 1981, pág. 173, nota 39.
AAVV. Génios da Pintura – Klee. São Paulo: Abril Cultural, 1968, pág. 4.

AAVV. Génios da Pintura – Klee. São Paulo: Abril Cultural, 1968, pág. 3.
LEOPOLD Zahn: Paul Klee. Leben, Werk, Geist, Potsdam 1920, pág. 5.
FERRIER, Jean-­‐Louis. Paul Klee. 1a edição. Lisboa: Centralivros, Agosto 2001, pág.57.
9 FERRIER, Jean-­‐Louis. Paul Klee. 1a edição. Lisboa: Centralivros, Agosto 2001, pág.57.
10 certo tipo de pintura, escultura espontânea e autodidata, desvinculada de escolas convencionais, que resulta em composições primitivas, de fácil compreensão.

Bibliografia

AAVV. Génios da Pintura – Klee. São Paulo: Abril Cultural, 1968.

FERRIER, Jean-­‐Louis. Paul Klee. 1a edição. Lisboa: Centralivros, Agosto 2001. 


NAUBERT­‐RISER, Constance. Klee. Lisboa: Circulo de Leitores, 1994. PARTSCH, Susanna. Klee. Colónia: Taschen, 2004. 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Lília Caravela


          Nascida a 19 de Março de 1987, Lília Margarida Caravela Miranda Rodrigues tem-se revelado uma artista notável no seu meio artístico e social, descendente de uma família com fortes ligações artísticas e culturais. O forte vínculo que criaram com o Campo e com o Rio, foi o mote de inspiração para o trabalho desenvolvido por Lília Caravela.
A família materna, oriunda da Murtosa e Ovar, era uma família de Varinos, a qual se fixou em Vila Franca de Xira, de maneira a conseguir subsistir às temerosas tempestades, as quais impossibilitavam a pesca. Foi em Vila Franca que conseguiram encontrar estabilidade para desenvolver as suas artes piscatórias. Quanto à família paterna, era vocacionada para a atividade agrícola, seu pai era caseiro de duas grandes famílias ribatejanas ligadas à tradição tauromáquica e agrícola – Família Pinto Barreiros e Família Vaz Monteiro – acabando por influenciar Caravela, mais tarde.
Desde pequena que revelou ser adepta de Adereços, principalmente de Joalharia. Com cerca de cinco anos, aprendeu a criar objetos tridimensionais, com recurso a missangas, utilizando como suporte pequenas peças de arame de alumínio, compondo-as e criando pequenas borboletas, lagartos, tartarugas, as quais lhe foram abrindo as portas da criatividade; por outro lado, eram estas peças que faziam parte do seu imaginário infantil. Pode-se afirmar que foi uma vizinha, D. Irene, que a influenciou nesta vertente artística de criação de pequenas peças de joalharia, as quais mais tarde serviam como pendentes de colares, pregadeiras, entre outros. Com cerca de sete anos aprendeu com outra vizinha, D. Lurdes, a arte de bordar. Com a mãe aprendeu a costura, principalmente o ponto pé-de-flor, mas também a conceber uma rede de pesca, trabalho de difícil execução e que está cada vez mais em desuso. Foram estas pessoas que acabaram por lhe oferecer conhecimentos em diferentes áreas artísticas, as quais fazem atualmente parte do seu trabalho artesanal.
É em Vila Franca de Xira que Caravela busca a sua inspiração, através dos testemunhos deixados pelos seus antepassados. Toda esta arte que percorria no seio familiar, acabou por ser contemplada, anos mais tarde, quando Lília decidiu criar os Corações Ribatejanos. Esta ideia surgiu em sequência de uma fraca produção artística concelhia, não havendo qualquer objeto ou artefacto que represente Vila Franca de Xira e, claro está, o Ribatejo na sua plenitude. Há poucos anos (cerca de quinze) a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira criou uma mascote para a cidade intitulada Xiro, que é quase que uma caricatura de um touro bravo de lide, vestido de forcado, mas que na sua opinião, este não representa minimamente a sua terra, as suas origens. Assim, começou a desenvolver ímans, representativos dos vários ícones da cidade e da região, os quais poderiam ser adquiridos como lembranças ribatejanas.
Posteriormente à produção dos ímans e consecutiva venda, percebeu rapidamente que a sua visão artística estava focada e ousou em criar os ditos Corações Ribatejanos. O culto do coração já foi, é e será um rito extremamente português, podendo ser contemplado nos mais variados objetos, como a Cadeira Coração, Lenço dos Namorados, Lenço de Viana, Filigrana minhota, entre outros. Estes corações representam o Ribatejo, recursando dos materiais que por ali se utilizam, como a serapilheira, pequenos adornos que se utilizam no traje típico do rancho folclórico ribatejano, como a fita de seda, bordado ponto pé-de-flor, grega, missangas.
Coração Ribatejano, Lília Caravela
                  A sua produção é estritamente manual, tendo como pano de fundo a serapilheira, que é um tecido pobre, utilizado na concepção de sacas e outros tipos de objetos de transporte, na qual são minuciosamente desenhadas flores referentes às plantas das Lezírias Ribatejanas e ao Traje do Rancho Folclórico regional. Neste caso, verificamos que os materiais utilizados são a flor que patenteia a maior área do coração, toda concebida em ponto pé-de-flor, verificam-se também corações, que acabam por ser uma portugalidade icónica, missangas e a fita de seda, que neste caso serve como pega do porta-chaves coração, a qual remete para o rio ou mar, devido ao recorte ondulado, como se de ondas se tratasse. Com esta criação artística, percebe-se de facto o valor patrimonial do nosso território, que com pouco se faz muito. Este coração é como que uma reunião de testemunhos culturais, os quais estão escrupulosamente pensados, colocando-nos num patamar superior relativamente à Arte Popular.

Este virar para dentro daquilo que é nosso, dos nossos valores culturais e patrimoniais, é algo que sente em épocas de crise. Caravela reajustou-se ao facto de se encontrar no Ribatejo, adaptando assim os seus conhecimentos, aos produtos e tradições ribatejanas, revelando-a e eternizando-a. A sua inspiração vai desde o Fado, aos monumentos ribatejanos, como a Ponte Marechal Carmona, a Festa do Colete Encarnado, utilizando pequenos objetos que vão pontuando os seus produtos, recriando-os e dando-lhes um toque de originalidade e contemporaneidade. Não esconde a paixão que sente pelos Lenços de Viana e pelos cachenés, que muitas vezes utiliza como maneira de inspiração.

Quanto aos materiais, os seus artefactos são muito variados, pois tanto utiliza materiais tipicamente campestres, como de repente utiliza lantejoulas, vidrilhos, peças metálicas banhadas a ouro, feltro, entre muitos outros. A Pintura e a Joalharia é outra paixão, desenha e cria muitos colares, com pendentes variados, e matérias distintos, que acabam por se completar no final. Não descora de todo a Arte Contemporânea, estando a par das novidades. A formação que frequenta em Joalharia tem-na ajudado a desenvolver novas técnicas e a desencadear um maior interesse na busca de novos materiais a utilizar.

Coração Ribatejano, Lília Caravela

A sua marca – Arte caravela – ainda está no início, mas tem suscitado imenso interesse a um público geral, apesar de não ter um espaço físico, recebe variadas encomendas diariamente, através das redes sociais. Considera a sua marca com um estilo muito pessoal, uma espécie de Artesanato Popular erudito, tendo sempre um olhar crítico relativamente às suas peças e claro, tenta sempre evoluir, criticando os pequenos defeitos que vai encontrando nos trabalhos.

Para os mais curiosos, podem verificar as peças em:

https://www.facebook.com/pages/Arte-Caravela/485702034830834?fref=ts



André Lopes Cardoso

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Cadeira Coração ou Rabo de Bacalhau


                 
Cadeira Coração com espaldar tipo rabo de bacalhau
A origem desta cadeira é um pouco incerta, mas ao que consta, foi a primeira cadeira de design português, a qual foi desenvolvida durante o século XVIII, copiando modelos de cadeiras setecentistas, com inspiração palaciana. Eram utilizadas pelos tipos culturais mais qualificados. Decididamente românticas e em simultâneo populares as cadeiras rabo de bacalhau, como são vulgarmente conhecidas, graças ao seu espaldar curvilíneo que vai afunilando até chegar ao dito assento, como no seu modelo antecedente, a cadeira tipo Windsor. Pensa-se que o coração que se encontra vazado no centro do espaldar segue os demais vazamentos da época, não remetendo diretamente para o Coração de Filigrana de Viana do Castelo, como se pensava (Pinto, 1952).

Cadeira tipo Windsor, modelo do século XVIII
Certo é que muitas casas tiveram o privilégio de ter um exemplar destes, utilizado tanto em cozinhas, como salas, quartos, tabernas, cafés. A Pura Cal recuperou este ícone nacional e produziu uma linha de cadeiras rabo de bacalhau, em tons pastel intitulada Color My Heart  pertencente à linha Re(use).
Cadeira Coração comercializada pela Pura Cal

Cadeira coração, em catálogo Aki (restyled)