domingo, 24 de fevereiro de 2013

Joaquim Pedro Quintela, 1º Conde do Farrobo e o seu ilustre palácio em Vila Franca de Xira

“Ali, tudo é ordem e perfeição. Luxo, calma, e sensação.”   
Charles Boudelaire

Com esta investigação pretende-se alertar que existem várias obras arquitectónicas consideradas Imóvel de Interesse Público (IIP), mas que se encontram em avançado estado de degradação. Por outro lado, pretende-se ainda mostrar esta pérola que está perdida no tempo e que necessita de rápida intervenção, caso contrário, perder-se-á. Descobriu-se que existe de facto uma proposta de remodelação do Palácio junto da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, promovendo a construção de um Lar para a Terceira Idade.

O Palácio do Farrobo, atualmente propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira, foi edificado na Quinta homónima, que resultou da junção de diversas propriedades rústicas, instituídas em morgadio em 1801, tendo sido Joaquim Pedro Quintela (20.08.1748 – 01.10.1817) o seu primeiro proprietário. Quintela, também conhecido por 1º Barão foi um grande negociante e capitalista, vivia em Lisboa no Palácio Quintela, situado na Rua do Alecrim, em pleno Chiado. A fortuna proveio dos familiares diretos, particularmente de pais, Valério José Duarte Pereira e Ana Joaquina Quintela, e tios; estes detinham contratos comerciais de negócios como: tabaco, diamantes, azeite, peixe e óleo de baleia, fábricas de lanifícios na região de Covilhã e Fundão. 
Teve como esposa D. Maria Joaquina Xavier de Saldanha (10.04.1774), tendo resultado desta união dois filhos: Maria Gertrudes Quintela (28.05.1797 – 08.09.1824) e Joaquim Pedro Quintela (11.12.1801 – 24.09.1869). 
Paralelamente à gestão dos negócios de família, foi responsável pela administração do Teatro Nacional S. Carlos durante alguns anos, enquanto a Corte esteve exilada no Brasil. Tentou também oferecer a melhor formação aos seus filhos. Era um amante de caçadas, particularmente nas Lezírias de Vila Franca de Xira, retinha a ideia que era elegante a caçada a lebre, tanto que trouxe a raça de cães setter para Portugal, de modo a colocar em prática os seus ideais.
Joaquim Pedro Quintela, tinha como título 2º Barão de Quintela, 1º Conde do Farrobo. Desde pequeno que, o seu pai o incentivou a ser músico, pois era amante de Ópera. Os negócios de seu pai atrapalharam a sua educação, porém sempre que podia ia com Joaquim Pedro a espetáculos, à caça. Sua mãe, Dona Maria Joaquina Xavier de Saldanha, era uma mãe dedicada, mas a sua atenção recaía principalmente na sua filha, Maria Gertrudes Quintela. Não existem muitos relatos relacionados com Maria Gertrudes, apenas sabemos que mantinha uma profunda amizade e carinho pelo irmão, normalmente brincavam juntos no palácio das Laranjeiras, apesar de ter mais quatro anos do que Joaquim.
O Conde de Farrobo como era vulgarmente conhecido, destacou-se por ser um apoiante de D. Pedro IV, que o recompensou com o título de Conde de Farrobo (1833) após a vitória liberal. As suas qualidades artísticas e a imensa fortuna que possuía celebrizaram o seu Palácio das Laranjeiras, situado nas Laranjeiras, onde decorreram festas memoráveis e onde existia um teatro, palco de diversas e significativas representações. Para além de muitos outros títulos e funções, o Sr. Conde teve destaque como negociante, pois herdou de seu pai grande parte dos negócios. Com a crise económica, os principais negócios deixados pelo pai começaram a cair, particularmente o do Tabaco e o do Papel. 

Casou-se por duas vezes, sendo o primeiro casamento com D. Mariana Carlota Lodi (03.12.1798 – 23.07.1867), a 19 de Maio de 1819, na Igreja da Encarnação; o mais marcante, pois da união surgirão sete filhos: Maria Joaquina Quintela Farrobo (1819), Maria Carlota Quintela (1821), Maria Madalena Quintela (1822), Joaquim Pedro Quintela, 2º conde de Farrobo(1823), Maria Ana Hortense de Quintela (1825), Maria Palmira Quintela (1826) e Francisco Jaime Quintela, 1º visconde da Charruada (1827). Com Marie Madeleine Pignault (1810), sua segunda esposa, resultaram três filhos: Júlio Maria Quintela (1855 – 24/02/1911) , Maria Joaquina Quintela (1856) e Carlos Pedro Quintela (1866).

A sua Quinta de Vila Franca de Xira funcionava como uma espécie de retiro de lazer, onde o Sr. Conde produzia vinho, organizava caçadas, grandiosas festas, banquetes, convidando a Alta Burguesia e a Nobreza. O palácio foi projectado pelo arquiteto Fortunato Lodi, por volta de 1805, aquando da junção das Quintas em morgadio. O projecto demorou alguns anos a avançar, tanto que foi Joaquim Pedro Quintela, 2º Barão, quem edificou, em 1835, o palácio que hoje conhecemos. 

O imóvel insere-se num terreno rural, desenvolvendo-se o corpo principal em planta rectangular, onde se destacam os volumes dos corpos laterais e central, avançados em relação aos restantes. O edifício é constituído por dois pisos, tendo todo o complexo arquitectónico um ar soberano e altivo. O local escolhido para a edificação do projeto foi o ideal, transmitindo os bosques italianos de que Fortunato Lodi tanto se orgulhava, pois tem muita vegetação envolvente e ao longe avista-se o rio Tejo. A vinha que ainda lá se encontra compunha a composição do jardim, esta iria desembocar nas árvores de fruto que circundam o palácio.
No alçado principal, duas torres flanqueiam um corpo central, mais baixo, de dois andares (como os restantes), precedido por uma escadaria de lanços convergentes, paralelos à fachada. Estes permitem o acesso à loggia do andar nobre. Todo o pano murário é aberto por uma série de vãos simétricos, com janelas no piso térreo e de sacada no andar superior. No alçado posterior é ainda visível o corpo do antigo teatro que também aqui existia, e que deveria ser uma réplica do Teatro Nacional de S. Carlos.

“Estava rodeado quase por todos os lados de vinha. Da parte norte ficava a tapada de caça com os seus altos muros. (...)Talvez a falta de vegetação provocasse esse efeito. O conde mandara plantar palmeiras e árvores de copa, mas ainda não tinham crescido o suficiente, o que as fazia parecer ainda mais pequenas, esmagadas pela grande massa do edifício.”
O portão dava para um pátio amplo, o qual era copiosamente guarnecido por canteiros cheios de flores e pequenos arbustos.
Relativamente ao interior, o palácio foi copiosamente pensado, de maneira a oferecer a maior privacidade e comodidado pois, desde bem cedo que o conde pensou ter em Vila Franca de Xira a sua estância de férias provada.
Lodi dividiu as áreas equivalentes por andares. “No andar térreo há a cozinha e sua casa para as massas; um bela sala de jantar quase quadrada e com sessenta palmos de lado, pintada pelos Senhores Rambois e Cinatti; outra casa de jantar para os creados, quartos para hóspedes, para creados, para a música destes, para engomar, dispensa e mais alguns outros. Seis escadas dão comunicação entre os dois pavimentos.”
O palácio tinha uma dinâmica incrível, as salas cruzam-se com halls, que desembocam noutras salas e as pessoas vão andando sem atropelos. Já no ”andar nobre: sala grande do tamanho da casa de jantar do andar de baixo, outra mais pequena para uso diário, biblioteca com uma boa coleção de obras modernas, sala de bilhar, sala para xadrez e gamão, outra para jogos de cartas dedicada ao Reverendo Padre Castro, escritório particular do conde, quarto para estudo, outro para lições de música, quartos para as filhas de S. Exas., para hóspedes, quarto de cama de S. Exas., com os respectivos para toilettes, e copa e um belíssimo teatro arranjado pelo Sr. Bertrand, antigo maquinista do teatro e também pintado pelos citados pintores.”

O mobiliário utilizado na decoração do palácio era de estilo moderno. A exemplo de outros países, o mobiliário do século XIX não tinha a beleza dos móveis dos séculos anteriores. A peça mais importante de mobiliário português sempre foi a cama, que adquiriu um estilo próprio, um carácter típico do país. Os candeeiros eram lustres, escolhidos em Paris pelo Conde de Viana; luxúria típica da Corte francesa, mostrando bastante bem o exagero e a ostentação desmesurada.

Os seus ilustres convidados vinham de barco e paravam na marina de Vila Franca de Xira, para depois fazerem o percurso até chegar ao palácio. Desde a marina  até ao Palácio que fica perto da localidade de Loja Nova (Quinta da Coutada) o percurso era feito de charrete, pelo actual Estrada de Santa Sofia. O percurso era ardiloso e longo, esburacado e cheio de mato. Sempre que haviam festas, os convidados dormiam no palácio, pois era complicado voltar para a cidade de noite. Costumavam mesmo passar três ou quatro dias no palácio, visto poderem usufruir de todo aquele complexo. 
As caçadas eram das atividades mais praticadas pelo Conde e pelos seus amigos. Pegavam bem cedo e iam para as Lezírias atrás dos coelhos. Os almoços de Verão no pátio, eram também uma prática comum; colocavam um toldo enorme e ali comiam até ao cair da noite.

O edifício foi bastante importante na época, tanto ao nível socioeconómico, como ao nível cultural. Ressalve-se que, a Quinta onde está inscrito o palácio tem uma vinha imensa, a qual fornecia vinho para a zona de Vila Franca, mas também para fora da região. Esta produção de vinho, trazia fundos para o Conde, mas também para o concelho. Numa das torres do palácio havia inclusive um telégrafo de sinais que estava não só em comunicação com os telégrafos nacionais, como podia comunicar com um aparelho portátil que o Conde costumava utilizar, de modo a que lhe transmitissem informações sobre o local dos animais de caça, tanto nas suas propriedades, como nas Lezírias. Ao nível cultural, o Conde trazia companhias de bailado e ópera italianas, Varesi, Fornasari, Spechi, Ferreti, para actuarem no seu teatro particular. Trazia também pessoas a conhecerem Vila Franca, logo era mais um meio de divulgação da vila que, à altura, era bastante movimentada.

Actualmente o edifício encontra-se em avançado estado de degradação, mas sabe-se que todo o interior era profusamente decorado, por quadros, frescos, esculturas. Ao nível de Pintura, sabe-se que existiam alguns quadros do pintor Auguste Roquemont; as salas respiravam um ar romântico, devido aos frescos de Ramboise e Cinatti. Atualmente ainda se pode observar alguns vestígios dos frescos, estando estes bastante danificados, praticamente em ruína. 

Todo o luxo, toda a sumptuosidade caiu por terra quando começaram a falir os contratos do Papel-moeda e do Tabaco. 
O Palácio acabou por ter mais dois proprietários, mas estes também não o conseguiram sustentar. Por volta de 1970, foi doado à Santa Casa da Misericórdia, pois não havia mais nenhum proprietário interessado na compra do mesmo. As ruínas são fruto do tempo e do desinteresse em torná-lo ainda mais um Imóvel de Interesse Público. Com o passar do tempo vai cair no esquecimento se assim continuar a sua deterioração.

Bibliografia


NORONHA, Eduardo, O Conde de Farrobo – Memórias da sua vida e do seu tempo, Lisboa, Romano Torres, 1945.
NORTON, José - O Milionário de Lisboa, Livros d’Hoje, 2009.

NUNES, Graça Soares - Vila Franca de Xira - Economia e Sociedade na Instalação do Liberalismo (1820-1850), Edições Colibri / Museu Municipal - Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Dezembro 2006

“O Conde do Farrobo”, Jornal Vida Ribatejana. Vila Franca de Xira: 1936, 1677.

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