“Ali, tudo é ordem e perfeição. Luxo, calma, e sensação.”
Charles Boudelaire
Com esta investigação pretende-se alertar que
existem várias obras arquitectónicas consideradas Imóvel de Interesse Público (IIP),
mas que se encontram em avançado estado de degradação. Por outro lado,
pretende-se ainda mostrar esta pérola que está perdida no tempo e que necessita
de rápida intervenção, caso contrário, perder-se-á. Descobriu-se que
existe de facto uma proposta de remodelação do Palácio junto da Câmara
Municipal de Vila Franca de Xira, promovendo a construção de um Lar para a
Terceira Idade.
O Palácio do Farrobo, atualmente propriedade
da Santa Casa da Misericórdia de Vila Franca de Xira, foi edificado na Quinta
homónima, que resultou da junção de diversas propriedades rústicas, instituídas
em morgadio em 1801, tendo sido Joaquim Pedro Quintela (20.08.1748 – 01.10.1817)
o seu primeiro proprietário. Quintela, também conhecido por 1º Barão foi um
grande negociante e capitalista, vivia em Lisboa no Palácio Quintela, situado
na Rua do Alecrim, em pleno Chiado. A fortuna proveio dos familiares diretos,
particularmente de pais, Valério José Duarte Pereira e Ana Joaquina Quintela, e tios; estes detinham contratos comerciais de negócios
como: tabaco, diamantes, azeite, peixe e óleo de baleia, fábricas de lanifícios
na região de Covilhã e Fundão.
Teve como esposa D. Maria Joaquina Xavier
de Saldanha (10.04.1774), tendo resultado desta união dois filhos: Maria
Gertrudes Quintela (28.05.1797 – 08.09.1824) e Joaquim Pedro Quintela (11.12.1801
– 24.09.1869).
Paralelamente à gestão dos negócios de
família, foi responsável pela administração do Teatro Nacional S. Carlos
durante alguns anos, enquanto a Corte esteve exilada no Brasil. Tentou
também oferecer a melhor formação aos seus filhos. Era um
amante de caçadas, particularmente nas Lezírias de Vila Franca de Xira, retinha
a ideia que era elegante a caçada a lebre, tanto que trouxe a raça de cães setter para
Portugal, de modo a colocar em prática os seus ideais.
Joaquim Pedro Quintela, tinha como título 2º Barão de Quintela, 1º Conde do Farrobo. Desde pequeno que, o seu
pai o incentivou a ser músico, pois era amante de Ópera. Os negócios de seu pai atrapalharam a sua educação, porém sempre que podia ia com Joaquim Pedro a espetáculos, à caça. Sua
mãe, Dona Maria Joaquina Xavier de Saldanha, era uma mãe dedicada, mas a sua atenção
recaía principalmente na sua filha, Maria Gertrudes Quintela. Não existem muitos
relatos relacionados com Maria Gertrudes, apenas sabemos que mantinha
uma profunda amizade e carinho pelo irmão, normalmente brincavam juntos no
palácio das Laranjeiras, apesar de ter mais quatro anos do que Joaquim.
O Conde de Farrobo como era vulgarmente conhecido, destacou-se por ser
um apoiante de D. Pedro IV, que o recompensou com o título de Conde de Farrobo
(1833) após a vitória liberal. As suas qualidades artísticas e a imensa fortuna
que possuía celebrizaram o seu Palácio das Laranjeiras,
situado nas Laranjeiras, onde decorreram festas memoráveis e onde existia um teatro,
palco de diversas e significativas representações. Para além de muitos outros
títulos e funções, o Sr. Conde teve destaque como negociante, pois
herdou de seu pai grande parte dos negócios. Com a crise económica, os
principais negócios deixados pelo pai começaram a cair, particularmente o do
Tabaco e o do Papel.
Casou-se por duas vezes, sendo o primeiro
casamento com D. Mariana Carlota Lodi (03.12.1798 – 23.07.1867), a 19 de Maio de
1819, na Igreja da Encarnação; o mais marcante, pois da união surgirão sete
filhos: Maria Joaquina Quintela Farrobo (1819), Maria Carlota Quintela (1821),
Maria Madalena Quintela (1822), Joaquim Pedro Quintela, 2º conde de Farrobo(1823),
Maria Ana Hortense de Quintela (1825), Maria Palmira Quintela (1826) e
Francisco Jaime Quintela, 1º visconde da Charruada (1827). Com Marie Madeleine
Pignault (1810), sua segunda esposa, resultaram três filhos: Júlio Maria
Quintela (1855 – 24/02/1911) , Maria Joaquina Quintela (1856) e Carlos Pedro
Quintela (1866).
A sua Quinta de Vila Franca de Xira
funcionava como uma espécie de retiro de lazer, onde o Sr. Conde produzia vinho,
organizava caçadas, grandiosas festas, banquetes, convidando a Alta Burguesia e
a Nobreza. O palácio foi projectado pelo
arquiteto Fortunato Lodi, por volta de 1805, aquando da junção das Quintas em
morgadio. O projecto demorou alguns anos a avançar, tanto que foi Joaquim Pedro
Quintela, 2º Barão, quem edificou, em 1835, o palácio que hoje conhecemos.
O imóvel insere-se num
terreno rural, desenvolvendo-se o corpo principal em planta rectangular, onde se destacam os
volumes dos corpos laterais e central, avançados em relação aos restantes. O
edifício é constituído por dois pisos, tendo todo o complexo arquitectónico um
ar soberano e altivo. O local escolhido para a edificação do projeto foi o
ideal, transmitindo os bosques italianos de que Fortunato Lodi tanto se
orgulhava, pois tem muita vegetação envolvente e ao longe avista-se o rio
Tejo. A vinha que ainda lá se encontra compunha a
composição do jardim, esta iria desembocar nas árvores de fruto que circundam o
palácio.
No alçado principal, duas torres flanqueiam
um corpo central, mais baixo, de dois andares (como os restantes), precedido
por uma escadaria de lanços convergentes, paralelos à fachada. Estes permitem o
acesso à loggia do andar nobre. Todo o pano murário é aberto
por uma série de vãos simétricos, com janelas no piso térreo e de sacada no
andar superior. No alçado posterior é ainda visível o corpo do antigo teatro
que também aqui existia, e que deveria ser uma réplica do Teatro Nacional de S. Carlos.
“Estava rodeado quase por todos os lados de
vinha. Da parte norte ficava a tapada de caça com os seus altos muros.
(...)Talvez a falta de vegetação provocasse esse efeito. O conde mandara
plantar palmeiras e árvores de copa, mas ainda não tinham crescido o
suficiente, o que as fazia parecer ainda mais pequenas, esmagadas pela grande
massa do edifício.”
O portão dava para um pátio amplo, o qual era
copiosamente guarnecido por canteiros cheios de flores e pequenos arbustos.
Relativamente ao interior, o palácio foi copiosamente
pensado, de maneira a oferecer a maior privacidade e comodidado pois, desde bem
cedo que o conde pensou ter em Vila Franca de Xira a sua estância de férias
provada.
Lodi dividiu as áreas equivalentes por
andares. “No andar térreo há a cozinha e sua casa para as massas; um bela sala
de jantar quase quadrada e com sessenta palmos de lado, pintada pelos Senhores
Rambois e Cinatti; outra casa de jantar para os creados, quartos para hóspedes,
para creados, para a música destes, para engomar, dispensa e mais alguns
outros. Seis escadas dão comunicação entre os dois pavimentos.”
O palácio tinha uma dinâmica incrível, as
salas cruzam-se com halls, que desembocam noutras salas e as pessoas vão
andando sem atropelos. Já no ”andar nobre: sala grande do tamanho da casa
de jantar do andar de baixo, outra mais pequena para uso diário, biblioteca com
uma boa coleção de obras modernas, sala de bilhar, sala para xadrez e gamão,
outra para jogos de cartas dedicada ao Reverendo Padre Castro, escritório
particular do conde, quarto para estudo, outro para lições de música, quartos
para as filhas de S. Exas., para hóspedes, quarto de cama de S. Exas., com os
respectivos para toilettes, e copa e um belíssimo teatro arranjado pelo Sr.
Bertrand, antigo maquinista do teatro e também pintado pelos citados pintores.”
O mobiliário utilizado na decoração do
palácio era de estilo moderno. A exemplo de outros países, o mobiliário do
século XIX não tinha a beleza dos móveis dos séculos anteriores. A peça mais
importante de mobiliário português sempre foi a cama, que adquiriu um estilo
próprio, um carácter típico do país. Os candeeiros eram lustres, escolhidos em
Paris pelo Conde de Viana; luxúria típica da Corte francesa, mostrando bastante
bem o exagero e a ostentação desmesurada.
Os seus ilustres convidados vinham de barco e paravam na marina de Vila Franca de Xira, para depois fazerem o percurso até chegar ao
palácio. Desde a marina até ao Palácio que fica perto da localidade de Loja Nova (Quinta da Coutada) o percurso era feito de charrete, pelo actual Estrada de Santa Sofia. O percurso era ardiloso e longo, esburacado e cheio de
mato. Sempre que haviam festas, os convidados dormiam no palácio, pois era
complicado voltar para a cidade de noite. Costumavam mesmo passar três ou
quatro dias no palácio, visto poderem usufruir de todo aquele complexo.
As
caçadas eram das atividades mais praticadas pelo Conde e pelos seus amigos.
Pegavam bem cedo e iam para as Lezírias atrás dos coelhos. Os almoços de
Verão no pátio, eram também uma prática comum; colocavam um toldo enorme e ali
comiam até ao cair da noite.
O edifício foi bastante importante na época,
tanto ao nível socioeconómico, como ao nível cultural. Ressalve-se que, a
Quinta onde está inscrito o palácio tem uma vinha imensa, a qual fornecia vinho
para a zona de Vila Franca, mas também para fora da região. Esta produção de
vinho, trazia fundos para o Conde, mas também para o concelho. Numa das
torres do palácio havia inclusive um telégrafo de sinais que estava não só em
comunicação com os telégrafos nacionais, como podia comunicar com um aparelho
portátil que o Conde costumava utilizar, de modo a que lhe transmitissem
informações sobre o local dos animais de caça, tanto nas suas propriedades,
como nas Lezírias. Ao nível cultural, o Conde trazia companhias de bailado
e ópera italianas, Varesi, Fornasari, Spechi, Ferreti, para actuarem no seu teatro particular.
Trazia também pessoas a conhecerem Vila Franca, logo era mais um meio de
divulgação da vila que, à altura, era bastante movimentada.
Actualmente o edifício encontra-se em avançado
estado de degradação, mas sabe-se que todo o interior era profusamente
decorado, por quadros, frescos, esculturas. Ao nível de Pintura, sabe-se que
existiam alguns quadros do pintor Auguste Roquemont; as salas respiravam um ar
romântico, devido aos frescos de Ramboise e Cinatti. Atualmente ainda se pode observar
alguns vestígios dos frescos, estando estes bastante danificados, praticamente em ruína.
Todo o luxo, toda a sumptuosidade caiu por
terra quando começaram a falir os contratos do Papel-moeda e do Tabaco.
O
Palácio acabou por ter mais dois proprietários, mas estes também não o conseguiram
sustentar. Por volta de 1970, foi doado à Santa
Casa da Misericórdia, pois não havia mais nenhum proprietário interessado na
compra do mesmo. As ruínas são fruto do tempo e do desinteresse em torná-lo
ainda mais um Imóvel de Interesse Público. Com o passar do tempo vai cair no
esquecimento se assim continuar a sua deterioração.
Bibliografia
NORONHA, Eduardo, O Conde de Farrobo
– Memórias da sua vida e do seu tempo, Lisboa, Romano
Torres, 1945.
NORTON, José - O Milionário de
Lisboa, Livros d’Hoje, 2009.
NUNES, Graça Soares - Vila Franca de
Xira - Economia e Sociedade na Instalação do Liberalismo (1820-1850), Edições
Colibri / Museu Municipal - Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Dezembro
2006
“O Conde do Farrobo”, Jornal Vida Ribatejana.
Vila Franca de Xira: 1936, 1677.