sábado, 26 de outubro de 2013

Tapeçarias de Portalegre


As Tapeçarias de Portalegre são como que murais, descrevendo uma maneira de estar na arte diferente, e que apesar de popular e artesanal, é reveladora de um espírito muito adulto e atento da arte. Fundada por Guy Fino e Manuel Celestino Peixeiro, em 1946, desde cedo que perceberam que o caminho do desenvolvimento seria o que estivesse relacionado com a arte atual, favorecendo assim a sua permanente atualização estética. Com todo este dinamismo e prestígio, resultantes do investimento inicial, emergiu uma marca incontornável, uma aposta na diferenciação do produto, iniciando-se com artistas ligados ao movimento neorrealista português, como Júlio Pomar, Lima de Freitas, Rogério Ribeiro, não querendo afirmar que estavam intimamente ligados a este movimento político e social, mas sim à contemporaneidade dos anos 40 e 50 do século XX. Extremamente decorativas, as Tapeçarias de Portalegre são obras de arte originais, traduzindo o espírito e o traço do pintor respetivo, sendo uma técnica totalmente manual (Perdigão, 2002).

Domingo Lisboeta, Almada Negreiros, Tapeçarias de Portalegre.
Dimensões – 4100mm X 2050mm (tríptico)
http://www.mtportalegre.pt/pt/catalogo, acedido a 13 de Março de 2013.


A grande responsabilidade de toda esta “construção” recai na desenhadora e na tecedeira, pois são elas que interpretam o desenho do artista, que será posteriormente um tapete. A desenhadora tem como função ajustar o desenho do artista, aumentando ou diminuindo, consoante o tamanho do tapete, recorrendo a um papel quadriculado próprio, sendo que cada quadrícula corresponde a um ponto – desenho de tecelagem. Posteriormente, a desenhadora cria os contornos de todos os elementos do desenho, formas e cores, passando posteriormente todo este trabalho à tecedeira, iniciando o processo de tecimento. A escolha dos matizes é crucial, caso não correspondam ao original, a tapeçaria pode perder legitimidade e impacte; para tal, as fábricas detém um vasto espólio de cores (cerca de 7000), de maneira a compor qualquer trama decorativa[1]. Após selecionadas as cores a utilizar, o desenho original é colocado no tear vertical e é iniciado o processo manual de tecelagem, criando assim uma ampliação ou diminuição, em lã, do desenho do autor. A construção da tapeçaria dá-se na horizontal, a cada passagem de trama decorativa passa-se uma fina trama de ligação, ficando esta escondida pela primeira, conseguindo-se estruturas únicas. As Tapeçarias de Portalegre são extremamente reconhecidas devido ao desenho original de artista e a todo o trabalho que é feito, desde a escolha das cores, dimensões da peça, técnica aplicada (Perdigão, 2002).
Todas as peças são limitadas entre 1 a 8 exemplares, autenticados pelo artista no bolduc[2]. São muitos os artistas que já viram as suas obras tecidas, sendo algumas feitas a convite e outras a pedido do próprio artista, vendo assim disseminados os seus conceitos e valores humanistas (Fortunato, 2013).

Bibliografia

Fortunato, F. (2013). Manufactura de Tapeçarias de Portalegre. Obtido em 13 de Março de 2013, de http://www.mtportalegre.pt/pt/

Perdigão, T. (2002). Tesouros do Artesanato Português - Têxteis (Vol. II). Lisboa: Editorial Verbo.



[1] A trama decorativa é o esquema de tecelagem, composta por oito cabos, permitindo assim misturar fios de diferentes cores, criando efeitos de profundidade, transparência, sobreposição. Toda a trama é concebida em lã, correspondendo a uma densidade de 2500 pontos/dm2.

[2] Certificado de autenticidade, o qual inclui o título da pintura, o número e dimensões da peça.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Cais da Jorna

O Cais da Jorna situa-se junto ao Jardim Municipal Constantino Palha, na zona ribeirinha (doca) de Vila Franca de Xira. Foi durante anos, o local onde os capatazes vinham buscar os “jorneiros” para trabalharem nas Lezírias. Estes capatazes vinham em barcos das Lezírias e, chegando ao atual Cais da Jorna, apontavam o dedo às pessoas que queriam que embarcassem para trabalhar nas Lezírias. Para tal e, em jeito de homenagem, a Câmara Municipal de Vila franca de Xira decidiu, posteriormente à remodelação da zona ribeirinha, agraciar o espaço com uma escultura de João Duarte, representando uma “cena de jorna” típica da zona em questão.

Segundo João Duarte (s.d.), “as comunidades e as culturas não são estáticas. Cada comunidade escolhe e integra os novos elementos de modo diverso, construindo ao longo do tempo, em função do espaço que se dá e das gentes que acolhe, comportamentos e condutas especificas que a caracterizam. O Cais de Vila Franca de Xira situado na margem direita do rio Tejo, é um ponto de partida e de chegada de gente, mercadorias, ideias e mudança. Há muitos anos que acorda e marca o tempo pelo movimento do trabalho. É neste passado refletido que se interpreta o presente e se constrói o futuro. No Cais de Vila Franca de Xira, perto do Quiosque do Manuel da Barraquinha, era o local onde tinha lugar a negociação das jornas, entre os trabalhadores rurais e os patrões ou capatazes, conhecido pelo (Cais da Jorna). Ali se juntavam valadores e ceifeiros diariamente à espera da sua oportunidade para embarcar para as Lezírias. Foi em finais do séc. XIX e sobretudo no séc. XX, quando se verificou um grande desenvolvimento no cais. O cais faz parte da cidade e da população! Por isso a Câmara Municipal de Vila Franca de Xira pretende erguer um monumento alusivo ao “ Cais da Jorna” a fim de homenagear os homens e as mulheres que passaram por este local. Ao ser adjudicado o monumento, idealizei e desenvolvi um projeto figurativo, simbólico e simples, para que a população atual e futura se reveja nele.
Monumento que tenho o maior prazer em executar, dado que no meu curriculum, já não é a primeira peça escultórica que perpetua na resistência e na luta do nosso povo.
Tendo sido escolhido um local perto do Quiosque do Manuel da Barraquinha, local muito específico, executei um projeto escultórico em que tivesse elementos que simbolizassem o significado do termo e do conceito do “Cais da Jorna”. Modelei quatro figuras em bronze, representando os trabalhadores (valadores e ceifeiros) assim como uma placa em bronze com uma mão a apontar e respectivo braço, simbolizando o patrão/ capataz. Este é apenas um dos meus olhares, um dos muitos possíveis que poderá́ perpetuar as gerações de trabalhadores e patrões, que aqui trabalharam e viveram, restando-lhes, por isso a memória.”


Homenagem ao Cais da Jorna, João Duarte, 2013
450 X 250 cm, bronze
 O monumento foi inaugurado a 6 de Julho de 2013, pela Sr.ª Presidente da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, Maria da Luz Rosinha. A peça escultórica conta com quatro representações antropomórficas, que estão dispostas sobre um pedestal de mármore.
Defronta às figuras cita-se Alves Redol: "Ali, a dois pasos da estrada de ferro sob as agulhas dos mastros das fragatas, se laçava o destino dos homens por toda a semana."

Homenagem ao Cais da Jorna, João Duarte, 2013
450 X 250 cm, bronze

Homenagem ao Cais da Jorna, João Duarte, 2013
Pormenor de Valadores (casal)
450 X 250 cm, bronze

Homenagem ao Cais da Jorna, João Duarte, 2013
Pormenor de Ceifeiros (casal)
450 X 250 cm, bronze

Homenagem ao Cais da Jorna, João Duarte, 2013
Pormenor "mão do capataz que escolheria os trabalhadores"
450 X 250 cm, bronze


João Duarte fez um trabalho um pouco antagónico, se por um lado representa, e bem, os utensílios dos faladores e ceifeiros, por outro amplia e deforma as representações humanas, o que acaba por chocar o transeunte, devido à volumetria imensa das peças. Porém, a ironia também não foi descurada, visto ser uma época e uma classe social que vivia em condições precárias, as representações para serem fidedignas, teriam de ser, supostamente, de pessoas magras, o que acontece é precisamente o contrário. É uma peça escultórica que, apesar de representar uma realidade da nossa Cultura Popular, é altamente contemporânea e sofisticada. 


André Lopes Cardoso

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Mobiliário Português


O Mobiliário Português não está totalmente documentado carecendo de fontes mas, existem algumas peças que foram sobrevivendo ao passar do tempo, outras foram ficando no esquecimento, acabando por deixarem de ser produzidas. Segundo Ernesto Veiga e Silva e Fernando Galhano (1975), o Mobiliário é disposto por três tipologias:

1.     Móveis de fabrico local (arcas, românico, arquibanco)
2.     Móveis de inspiração palaciana ou burguesa (cadeiras, canapés, cómodas, armários, século XVII - XIX
3.     Móveis cuja produção advém de talentosos mestres e marceneiros
                 
                  Silva e Galhano (aproximadamente 1970) categorizaram o Mobiliário Português nestes três grandes grupos. O primeiro refere-se ao tipo de Mobiliário que cumpre com a velha tradição artesanal rústica, ou seja, projetados e concebidos através dos meios locais ou regionais e na herança histórico-cultural do local originário de produção. O segundo refere-se ao mobiliário que foi copiado infindavelmente, também conhecido como móveis . O terceiro grupo enquadra os marceneiros que eram mais habilidosos e versáteis, que queriam impressionar, criando modelos únicos, mas ainda assim, utilizando os materiais locais, tal como no Grupo primeiro (Lima, 1978).
O povo vivia e utilizava os objetos que fabricava, não podendo erradamente serem denominados mobiliário, mas sim “peças auxiliares móveis”. Segundo Oates (1991), o mobiliário pode ser catalogado em diferentes épocas, pois as diferenças são ínfimas:

1.     Egito, Grécia e Roma
2.     Bizâncio, a Alta Idade e a Europa Gótica
3.     O Renascimento
4.     A Opulência Barroca
5.     O Rococó e a Elegância palladiana
6.     O Neoclassicismo
7.     O século Dezanove – época de diversidade
8.     O Esteticismo e o Reformismo
9.     O Movimento Modernista
10.  De 1940 para cá.

De acordo com as épocas o mobiliário foi evoluindo, muito em parte com os produtos e meios encontrados em certas regiões. No Brasil, a produção mobiliária era abundante, pois existia imensa madeira e de boa qualidade para ser trabalhada (Oates, 1991).
O conceito de móvel é bastante vago, assim tentar-se-á não aplicar termos que possam gerar confusão, pois “móvel” é um termo errante para quando queremos definir uma peça de mobiliário. Móvel pode adequar-se a uma amplitude imensa de variados móveis; uma cadeira é um móvel, mas uma cristaleira também, ambas são diferentes, têm condicionantes diferentes, componentes diferentes, mas o termo acaba por se manter, a menos que se explique que é uma cadeira, um aparador, cristaleira, arca – detalhe da tipologia da peça de mobiliário. O material eminente e por excelência utilizado na concepção de mobiliário é a madeira, pois reúne propriedades mecânicas importantes como a ductilidade, a resistência (ao apodrecimento e ao fogo), densidade, higroscopia, cor, grão, odor, facilitando assim o trabalho do marceneiro. Existem vários processos de preparar a madeira e de trabalhá-la, mas os primeiros móveis produzidos utilizavam assemblagens simples, normalmente concebidos recorrendo a pregos, pinos, cola, entre outros. Mais tarde, com a exploração de outros materiais, começou-se a inovar introduzindo a talha dourada, embutido, ferro forjado (camas e faldistórios). Sabe-se que a época de ouro do mobiliário português foi no Período do Seiscentos, verificando-se o despojamento de ornamentação, acariciando as madeiras nobres vindas do Oriente, África e Brasil (madeiras exóticas). Todo este naturalismo que era sentido no Seiscentos era predicado da beleza da própria madeira  (Ferrão, 1990).
É complicado sintetizar todo o mobiliário num só grupo e explaná-lo de maneira simples e breve, pois é um tópico investigativo bastante amplo que requer uma abordagem detalhada. Segundo Bernardo Ferrão (1990), o mobiliário pode dividir-se da seguinte maneira:

1.     Móveis de Descanso
1.1.  de Assento
1.1.1.     de uso individual (cadeiras)
1.1.2.     de uso coletivo (bancos, sofás)
1.2.  de Repouso
1.2.1.     de uso noturno (camas)
1.2.2.     de uso diurno (preguiceiros)

2.     Móveis de Utilidade
2.1.  de Guarda
2.1.1.     de tampa (arcas, cofres)
2.1.2.de porta (armários, escritórios)
2.1.3.de gaveta (cómodas, papeleiros, contadores)
2.2  de Suporte
2.2.1 de chão (mesas)
2.2.2 de parede (cabides, prateleiras)

3. Móveis de Conforto
                  Caixilhos, toucadores, tremós

Esta síntese auxilia na relação dos diferentes móveis que se deverá ter em conta quando se fala em móvel, pois existem imensos tipos de móveis, formas, funções. Segundo Duarte Nunes de Leão (c. século XVI) os móveis vinham da China para Lisboa e daí eram exportados para o resto da Europa, como cadeiras, castres, escritórios dourados, acabando por influenciar os marceneiros portugueses.
Sabe-se que o povo português se destacou na Arte de diversas maneiras, mas foi com a talha dourada e o Azulejo que se tornou reconhecido. A expressão plástica do Mobiliário surgiu principalmente no século XV, segundo conta Bernardo Ferrão (1990), sendo nos séculos XVII e XVIII que ocorreu a melhor produção de mobiliário. O mobiliário projetado durante e até ao século XVII conta com um toque de exotismo, verificado após a Descoberta da Índia (Ferrão, 1990).
            A cadeira é a peça de mobiliário que mais contribui para a percepção, conhecimento e reconhecimento da história do mobiliário. A cadeira Savonarola é exemplo desta época, surgiu no século XVI (c. 1550) em Itália com o advento da produção de Mobiliário, pois a vida social e íntima também aumentou, acabando por se refletir no mobiliário e claro, nos interiores das habitações. A necessidade de sentar era cada vez maior, então começaram a ser produzidas cadeiras em grande escala, sendo as cadeiras almofadadas de braços com espaldar alto e pés de bola muitas vezes encontradas em casas grandes, tendo-se percebido este facto através de inventários de partilhas de casas nobres e escrituras  (Ferrão, 1990).
A cadeira era leve, de fácil transporte e mais pequena por isso era utilizada pelas classes mais baixas. A cadeira em forma de X resistiu nos tempos medievais, como se pode observar em pinturas de época, sendo adaptada no século XVI, em Itália; com formas mais elegantes e equilibradas, denominando-se em Itália por sedia Savonarola ou de Dante e na Alemanha por cadeira de Lutero (Oates, 1991).
Segundo Oates (1991)A a cadeira Savonarola é uma cadeira muito conhecida, patente numa panóplia de quadros da Época do Renascimento, acabando por se tornar um ícone de design. Existe a cadeira Savonarola e a Dantesca, sendo que a primeira é constituída por mais  quatro pernas do que a segunda. Pensa-se que foi baseada no faldistório civil, mas sem certezas, apesar do desenho construtivo ser bastante semelhante. As mais conhecidas são concebidas em carvalho com talha (Oates, 1991).
A História do Mobiliário carece de fontes para ser abordado detalhadamente, mas sabe-se que anteriormente ao século XV não existia uma produção coerente de mobílias. A arca era o móvel por excelência da casa medieval, pois era prático e ambulante, capaz de facilitar a agitada vida, rapidamente tudo se arrumava dentro dela, principalmente o tríptico da oração, a imagem de marfim, os castiçais, roupas, tecidos (Carita & Cardoso, 1983).

                  Segundo De Morga[1] (século XVI) os móveis vindos de Macau (segundo De Morge) acabavam também por chegar à capital do império:

“camas (leitos) y escrutorios, silletas de estrado y otras pieças dorada (com laca dourada?) curiosamente, hechas en Macao.”

                                 De Morga (séc. XVI) in Mobiliário Português, Vol. 3, p.  30.
                                                  
                  Também segundo Pynard de Laval[2] (séc. XVI) vinham de Chaul belíssimas peças de mobiliário como:

                                       “(...) muitos cofres, bocetas, estojos, escritórios ao modo da China, mui ricos e bem obrados. Fazem também camas e leitos lacreados de todas as cores. O povo é ali muito habilidoso e industrioso.”         
                                               
                                                Pynard de Laval (séc. XVI) in Mobiliário Português, Vol. 3, p. 26.

                  Estas peças que chegavam a Lisboa através das embarcações portuguesas vinham apresentar toda uma “nova” de mobiliário, abrindo novos caminhos para os marceneiros portugueses. Foram estes objetos que influenciaram toda a época de descobrimentos e feitos portugueses  (Ferrão, 1990).
A origem da cadeira Rabo-de-bacalhau é um pouco incerta, mas ao que consta foi a primeira cadeira de design português, desenvolvida durante o século XVIII, copiando modelos de cadeiras setecentistas com inspiração palaciana. A cadeira rabo-de-bacalhau é um misto de romântico com popular, graças ao seu espaldar curvilíneo que vai afunilando até chegar ao assento, como no seu modelo antecedente, a cadeira tipo Windsor. Pensa-se que o coração que se encontra vazado no centro do espaldar segue os demais vazamentos da época, não remetendo diretamente para o Coração de Filigrana de Viana do Castelo, como se pensava (Pinto, 1952).  Certo é que muitas casas tiveram o privilégio de ter um exemplar destes, utilizado tanto em cozinhas, como salas, quartos, cafés. A Pura Cal recuperou este ícone nacional e produziu uma linha de cadeiras rabo-de-bacalhau, em tons pastel intitulada Color My Heart  pertencente à linha Re(use).
Com o advento da Revolução Industrial, iniciado em Londres nos finais do século XVIII, a produção industrial sofreu imensas alterações. O fabrico passou a ser muito mais eficiente, dando resposta às necessidades da população, criando-se assim novos métodos de produção, novos materiais, novas tecnologias – a “máquina” que veio mudar o mundo. Só nos finais do século XIX é que Portugal se começou a aperceber de toda esta mudança que poderia vir a trazer vários benefícios. Predominava o trabalho manual, havia marcenarias, oficinas de produção, fábricas trabalhando de uma maneira artesanal, sentindo-se que algo teria de mudar, de maneira a acompanhar o advento da máquina. Algumas empresas como Sousa Braga & Filhos Lda., Casa Jaico, Olaio – Móveis e Decoração, Jerónimo Osório de Castro, FOC -, Famo[3], MIT, Longra[4], Altamira, foram as pioneiras a alterar os seus métodos de produção, conseguindo estar na vanguarda da tecnologia, aderindo aos novos desafios impostos pela Revolução Industrial. Nestas empresas foram-se gradualmente alterando os métodos de produção, nos quais o artífice passava a ser operário e a ferramenta a ser a máquina, reduzindo-se assim o número de peças únicas, optando-se por peças seriadas (Leite, 2012).
É neste contexto de alteração do paradigma da produção que surge a cadeira Gonçalo. A Gonçalo é a mais célebre cadeira portuguesa, reconhecida a nível nacional e internacional. É utilizada principalmente em esplanadas pois é ergonómica, altamente resistente às alterações climatéricas e é empilhável, sendo fácil a sua arrumação. As suas linhas são muito simples, no entanto reveladoras de um aprofundado conhecimento sobre física e resistência dos materiais, devido às arriscadas dobras dos tubos que a constituem. A estrutura é toda concebida em metal, composta por quatro elementos: um tubo posterior que formaliza as pernas traseiras, o apoio de braços e o contorno superior do encosto; outro tubo que define as duas pernas anteriores e o contorno posterior do assento; um encosto curvo e ligeiramente inclinado que é fixo ao tubo; assento ligeiramente reclinado com bordo dianteiro curvo, de maneira a não ofender as pernas. As primeiras cadeiras tubulares deverão ter chegado a Lisboa durante os anos 30 do século XX, provenientes da Bauhaus, mas cedo se difundiram por todo o país. Em meados dos anos 50, Gonçalo Rodrigues dos Santos criou então a cadeira, que só se viu registada nos anos 90 pela Arcalo[5], sendo esta empresa atualmente um dos fabricantes deste exemplar. A sua proliferação foi grande, mas nos anos 70 do século XX sentiu-se uma enorme quebra na produção da Gonçalo, devido ao advento do Plástico e das cópias massivas. Somente nos anos 90 renasceu o interesse por este ícone do Design Português, talvez com o aparecimento do Centro Cultural de Belém e da Expo 98, pois todas as suas esplanadas eram equipadas com as mesmas (Soares & Ermanno, 2005).
Recentemente um familiar direto de Gonçalo Rodrigues dos Santos, criou a sua marca – Around the Three – uma marca inovadora, onde o conceito gira todo em torno da árvore, ou seja, há uma grande utilização da madeira, como material de eleição. Por outro lado, a Around the Three recriou a famosa Cadeira Gonçalo, mas desta vez em madeira, claro está; a denominação foi alterada para Portuguese Roots e espera-se uma grande aceitação, afinal é um dos ícones de Design Português. A herança cultural da Around the Three combina a madeira, os clássicos ARCALO e a Cortiça, material em voga pelas suas excelentes capacidades e resistência. A forma da Portuguese Roots é igual à Gonçalo, apenas se usam os materiais orgânicos, retirando o aspecto industrial e, conferindo-lhe um aspecto natural. Os famosos tubos de alumínio foram substituídos por madeira com acabamento em óleo natural, apresentando assim um aspecto clássico. O assento é esponjoso e revestido de cortiça natural.
“... a cadeira de esplanada, em tubo de aço dobrada, que na década de 40 povoou o espaço exterior do Café Lisboa, na Av. Da Liberdade, e se distribuiu depois por todo o país, é design português da autoria do mestre serralheiro Gonçalo Rodrigues dos Santos que de um anonimato, passa agora a chamar-se “Gonçalo”...”
                                                     Arcalo, 2005, in Arcalo
Atualmente a cadeira Gonçalo é muito procurada e existe em vários materiais e acabamentos como madeira, chapa de inox, várias colorações, entre outras especificações.
A empresa Olaio – Móveis e Decoração foi fundada em 1939, por José Olaio. Desde pequeno que Olaio sempre se interessou por marcenaria, comprando pequenas peças de madeira que ardilosamente manipulava, tornando-as interessantes, como o caso de dois caixotes que adquiriu na Casa Havaneza, em Lisboa, que posteriormente transformou em duas mesas de cabeceira com acabamento em folha de raiz de mogno. Em 1886 abre a sua primeira oficina, transformando-se posteriormente em armazém e loja de móveis novos e usados. Foi nesta oficina que desenvolveu as suas capacidades e conhecimentos, trabalhando de sol a sol, de maneira a manter o sonho ativo. A sua oficina chegou a deter 500 trabalhadores, marcando assim o design de interiores em Portugal, produzindo mobiliário para os mais diversos locais. É considerada a primeira empresa a aderir às alterações tecnológicas resultantes da Revolução Industrial, devido também as imensas encomendas que recebia por parte do Governo. As suas premissas construtivas era possuir bom material, principalmente madeira maciça, ferragens e acabamentos, mas cumprindo todos os requisitos necessários para ser o caso de sucesso que é, adaptando, atualizando, recontextualizando (Leite, 2012).
Até finais dos anos 50 do século XX, o mobiliário produzido era conhecido como “português suave”, não sendo arrojado, mantendo uma linha clássica doméstica. Só em 1962 foi ampliado, dispondo de novas e modernas tecnologias e máquinas, capazes de produzir em grande série, melhorando em muito as condições de trabalho. Foi nesta década que surgiu a influência dinamarquesa, através do Engenheiro Herbert Brehm e do Designer José Espinho[6], oferecendo à Olaio móveis contemporâneos, de linhas puras, funcionalistas e ao mesmo tempo utilitários, capazes de competir com as peças de design alemão. Bons exemplos desta década e da produção de mobiliário de qualidade superior e inovador é o Hotel Estoril-Sol, o Edifício da Biblioteca Nacional, Casino Estoril. Em 1989, Olaio foi vendida, acabando por ser encerrada em 1995, mas só em 2008 foi decretada falência. Resgatada da falência, atualmente a fábrica está sediada em Torres Vedras, estando João Olaio e José Pedro Olaio, respetivamente bisneto e neto do fundador, mantendo o negócio em bom eixo, contando com a equipa de Design assegurada por João Chichorro, Francisco e André Espinho. A empresa foi-se adaptando ao quadro contemporâneo, mantendo uma visão tradicionalista (Leite, 2012).



[1] Oficial superior nas cidades de México e Manila.
[2] François Pyrard de Laval (c. 1578 – c. 1623) foi um navegador francês que escreveu vários relatos das suas aventuras pela Índia e Maldivas, onde permaneceu entre 1601 a 1611. 
[3] A Famo foi fundada em 1947 e é especialista em mobiliário de escritório.
[4] A Fábrica Longra foi uma das mais importantes fábricas de mobiliário dito contemporâneo, contando com a criatividade eminente do designer e arquiteto Daciano da Costa. Exemplo disso é a Cadeira Lounge, criada para a Longra que foi um sucesso de vendas.
[5] É uma empresa especialista há mais de 50 anos na produção de mobiliário de exterior. A Arcalo foi uma das principais empresas produtoras da cadeira Gonçalo, tendo sido posta à prova durante a Expo 98, pois teve de conceber cerca de 9000 exemplares Gonçalo, atingindo assim um lugar de topo a nível nacional na produção de mobiliário de exterior. Atualmente já se encontram a produzir novos modelos de cadeiras e mesas, com recurso a materiais superiores como o alumínio e o aço inox, realizando projetos completos para esplanadas com novos detalhes que fazem toda a diferença.
[6] José Espinho foi um designer industrial muito conceituado, desenhava mobiliário para a Olaio, principalmente cadeiras, tornando-as verdadeiros marcos no Design de Produto português dos anos 60 do século XX. A cadeira Caravela é um dos exemplos de Espinho, concebida em madeira de undianano (madeira africana também conhecida por freijó, da família Boraginaceae) e napa, a cadeira Bélgica, o estirador J.E., a estante modular.